Curso de estrutura de roteiro capítulo 4
Aprendendo linguagem cinematográfica com Xena
SSenaT
Aula 4 – Compondo a sua história
O Tempo Dramático
Na ficção, a relação de tempo e espaço é diferente a da nossa realidade. Lembremos que a linguagem cênica busca retratar a vida, porém o que ela nos oferece é apenas uma ilusão dela. Também já sabemos que toda história tem o seu começo, o seu meio e o seu fim e que o modo mais comum de uma história ser contada é seguindo esta mesma ordem. Mas, quando contamos uma história somos como deuses e temos a liberdade de dispor os eventos e as ações em uma ordem cronológica não-linear, ou seja, o roteirista pode, em qualquer momento, manipular o tempo retrocedendo ou avançando o olhar do espectador.
Tempo linear
É quando o tempo, o espaço e os personagens são apresentados seguindo a lógica do tempo real e as ações ocorrem cronologicamente nesta ordem: o começo, o meio e o fim. Numa narrativa de tempo linear os fatos obedecem esta ordem.
Tempo não-linear
A estrutura de enredo não-linear é quando uma história segue uma linha de tempo irregular. As cenas desenvolvem-se descontinuamente, com saltos, antecipações, retrospectivas (flash-baks), cortes e rupturas efetuando saltos de tempo e espaço. Estes efeitos deslocam o olhar do espectador para o passado, para o presente ou para o futuro conforme for a necessidade da trama.
Muitos roteiros podem começar a contar uma história pelo seu meio ou final. Jorge Lucas começou a contar-nos a saga de “Star Wars” pelo capítulo IV; O filme “Amores possíveis de Sandra Werneck (2001)” conta-nos as diversas variantes da história de um casal em um tempo dramático que avança e retrocede o tempo todo.
Estruturas de roteiro montadas em tempo não-linear podem exigir muita atenção, pois podem se tornar o enredo muito complexo acabando por confundir o público ou ocasionando erros estruturais de lógica e continuísmo.
Elipse – Salto no tempo e no espaço (Leapfrog)
Muitas vezes também o roteiro salta no tempo e no espaço, não por estilo do roteirista, mas por medida de funcionalidade. Por exemplo: em “Purity” – XWP, quando Xena está na Grécia e decide ir até a China com Gabrielle, Joxer e Argo certamente naquela época uma viagem deste tipo levaria meses ou anos. Neste espaço de tempo é bem provável que elas enfrentariam muitas outras aventuras na estrada até chegar à China. Porém, estes fatos são totalmente descartados, pois a trama central deste episódio é centrada apenas nos fatos que ocorrem na China. É por isso que de uma cena para outras elas saltam de um continente para outro num piscar de olhos sem precisar nem ao menos trocar de roupas. Os roteiristas americanos chamam estes deslocamentos no tempo e no espaço de leapfrog (salto da rã).
Passagem de tempo
No cinema, e bem comum as passagens de intervalo de tempos serem marcadas por letreiros como: “Três anos mais tarde…”; “No dia seguinte…”; “Seis meses depois…” etc. Mas, às vezes os diretores e roteiristas conseguem ser bem criativos: No filme “Notting Hill” (1999), para demonstrar ao público que um ano inteiro se passou, enquanto o personagem de Hugh Grand vaga solitário, enquadrado num travelling contínuo, de sua casa até a livraria o ambiente da rua visivelmente vai alterando conforme o clima das estações do ano. É interessante notar que a grávida do início da cena é a mesma mulher que está com uma criança no colo ao final dela.
Narrativa Inversa
É quando a narrativa cronológica corre linearmente de trás para frente. O filme “Amnésia”(2000) a história é contada em narrativa inversa. Também o curta de animação “T.R.A.N.S.I.T”.(1997) narra a história real de um assassinato passional sendo a trama contada de trás para a frente.
Tempo Psicológico
No processo de montagem de um filme podem ser aplicados diversos efeitos visuais que transmitem ao público a noção do tempo psicológico. Assim, demonstrando a distorção da percepção de um personagem provocada por determinada ação.
Por exemplo: em “The Matrix” (1999), quando Neo alcança o seu pleno poder dentro da Matrix, os golpes dos agentes Smiths tornam-se para ele tão lentos que ele demonstra estar entediado com a luta.
E em “Ides of March”, quando Xena é fatalmente atingida, Gabrielle observa-a caindo lentamente ao solo e sendo atacada por um soldado romano. A cena ocorre em câmera lenta para enfatizar o clima angustiante da cena. Mas, quando Gabrielle reage atirando uma lança no soldado a câmera dispara efetuando um efeito chicote para ampliar a noção do impacto da lança no corpo do soldado.
Tempo Pleonástico
Uma determinada cena ou som é repetido para enfetizar uma ação na trama. Em “Terra em Transe”(1967) Glauber Rocha repetiu por três vezes a entrada da personagem de Glauce Rocha na redação do jornal para enfatizar o impacto da entrada daquela mulher na vida do protagonista. Na época muitos críticos de cinema acharam que tratava-se de um erro de montagem, porém Glauber Rocha já havia aplicado este mesmo efeito em “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964) na cena da morte de Corisco. Quentin Tarantino em “Pulp Fiction” (1994), repetiu este efeito em uma cena de execução para enfatizar o efeito dramático da cena. Também em “Kil Bill” (2003), certa música de fundo possui tons agudos, longos e repetitivos que retomam o célebre efeito sonoro que antecedia as facadas de “Psicose” (1960) de Alfred Hitchcock.
Tempo Paralelo
Normalmente um filme apresenta uma história principal sendo composta por diversas histórias paralelas. As diversas ações destas histórias vão se revezando na tela para estruturar um mosaico final. Muitas destas ações podem acontecer em tempo simultâneo. Para isso, as ações são mostradas com recursos de efeito de tempo paralelo.
Por exemplo:
É bem comum na série “24 Horas” que num mesmo momento em que Jack Bauer está na rua detonando alguns terroristas a sua amiguinha Chloe está na UCT bisbilhotando com seu computador e o presidente está na Casa Branca planejando mais alguma tramóia. Para demonstrar que estes eventos estão ocorrendo ao mesmo tempo a cena vez por outra é dividida em diversos quadros, cada uma com uma cena distinta.
Outro bom exemplo ocorre em “Grease” (1978) na célebre cena da canção “Summer Nighits”, quando o rebelde Danny gaba-se a respeito da sua última conquista nas férias e a ingênua Sandy relata o seu romance do último verão. Na série XWP, o efeito de tempo paralelo pode ser visto em “The Bitter Suite”: Nas cenas alternadas em que Gabrielle está na Potédia de Ilusia sendo conclamada pelos aldeões a seguir em defesa da paz e Xena, no império de Ares, é incitada por seus guerreiros a combater por vingança.
Definindo e formando os personagens
Também já sabemos que antes de começar a escrever temos de conhecer bem quem será o protagonista e todos os demais personagens da trama. O protagonista é o ponto central da história. Independente que ele seja bom ou maligno é importante que o protagonista seja crível. Como já afirmando antes:
“… se a personagem que se pretende imitar é por si incoerente, convém que permaneça incoerente coerentemente” – Aristóteles
Um personagem principal até pode ser um vilão e nem sempre ele sabe que é do mal. Às vezes ele é mau por razões psicológicas que merecem a compreensão do espectador, por exemplo: o Dexter que só mata quem não presta segundo a sua ética. Por sua vez, o antagonista será tecnicamente o oposto do protagonista, portanto, fica muito mais fácil criá-lo quando já temos definido o protagonista. Um bom antagonista deve ser tão complexo quando o protagonista e a sua personalidade deve ser bem irritante; a ponto de atiçar os brios do espectador.
Conhecendo a personalidade de cada personagem
Para criar cada personagem parte-se de dois pontos de observação: interior e exterior. Se conhecermos bem um personagem, poderemos descrevê-lo com mais facilidade; mas não com adjetivos e sim por intermédio das suas ações. Um roteiro deve ser visual, não adianta nada escrever no roteiro que Alti é malvada, má e perversa.
Notemos que o seriado XWP descreve a personalidade maligna de Alti demonstrando suas ações. Como por exemplo: Enquanto Alti mentalmente provoca dores insuportáveis em Gabrielle ela olha sorridente para a sua vítima.
Conhecendo bem um personagem o roteirista pode criar conflitos ideais para alcançar o seu objetivo de impactar o espectador. Os personagens devem refletir pessoas do mundo real com suas virtudes e fraquezas. Lembremos que ninguém é perfeito. Para um roteirista é gratificante ouvir do público: “Conheço alguém igualzinho àquele personagem.”. Isso é o que chamamos de empatia.
Ao criar seus personagens, é importante também trabalhar a psiquê dos secundários, pois alguns podem participar de fatos importantes da trama e roubar muitas cenas.
Nota: Personagens não são caricaturas nem estereótipos, estes arcabouços só são válidos para compor personagens de comédias ou figurantes.
Entreviste os seus personagens
Uma boa receita para criar personagens é elaborar um arquivo de informações contendo fichas para cada personagem da trama. E para conhecer bem os personagens preenchemos estas fichas entrevistando cada um deles. Importante: As respostas devem ser mentalizadas em palavras conforme o próprio personagem iria te responder. Assim a personalidade dele aos poucos irá se revelar em sua mente:
– Qual é o seu nome completo?
– Como foi a sua infância e juventude?
– Tem algum trauma de infância ou sequelas de algum acidente?
– Como é o seu o tipo físico e aparência?
– Como você se veste?
– Tem alguma mania ou cacoete?
– Quais são as suas virtudes?
– Quais são as suas fraquezas?
– Você resolve os seus problemas usando suas emoções, o seu pensamento lógico ou apenas segue seus instintos?
– Qual é o seu signo? (Se temos conhecimentos sobre os arquétipos da astrologia, só nesta questão pode-se tirar todo um leque de respostas sobre a personalidade da personagem.)
– Qual é a sua crença religiosa?
– Qual é a sua linha política?
– Qual é a sua sexualidade?
– Quais são seus hobbies?
– Quais são os seus vícios?
– Você é moralista ou amoral, você é ético ou nem sabe o que significa isto?
– O que você acha engraçado e/ou prazeroso?
– Como é o seu temperamento?
– Você leva a vida a sério ou age como uma criança a maior parte do tempo?
– O que mais te importa?
– O que mais te motiva?
– Do que ou de quem você tem medo?
– Como você reage diante do perigo?
Conhecendo o exterior
O meio em que vive também exerce influência sobre os seus personagens. Assim pode-se definir melhor o seu linguajar, sotaque, cultura etc.
– Onde você nasceu?
– Onde e como é o local em que você vive?
– Onde você passa seus tempos vagos?
– Como é a sua família?
– Como você se sente em relação sua família?
– Como são os seus amigos?
– Você pratica algum esporte?
– Que tipo de profissional você é?
– Você sabe trabalhar em equipe?
– Você é querido pelos companheiros de trabalho?
Só então, quando tivermos as respostas destes questionários poderemos sentir que conhecemos bem os personagens, então eles ganharão vida em nossas mentes e os diálogos travados entre eles saltarão direto para o papel.
A Essência do personagem
Para Syd Field, são quatro os elementos que moldam a psiquê de um personagem: 1 – necessidade dramática, 2 – ponto de vista, 3 – mudança e 4 – atitude.
1 – Necessidade dramática
É o que o personagem busca e mais anseia; é o seu objetivo principal. Pode ser vencer uma corrida; reconquistar a sua felicidade; conquistar o amor de uma mulher; achar um tesouro; roubar um banco etc. Em XWP, a necessidade dramática de Xena é fugir do seu vil passado; a de Gabrielle é a de estar ao lado de Xena fugindo de um destino medíocre como aldeã; a de Callisto é a busca insana por vingança e a de Joxer se tornar um valoroso guerreiro.
2 – Ponto de Vista
Um bom personagem tem um ponto de vista forte que o leva a agir coerentemente. Qual o ponto de vista de Gabrielle? Conforme o seriado vai avançando o seu ponto de vista sensivelmente vai evoluindo, porém sempre firma-se na busca do amor e paz para todos. Um bom personagem faz o espectador ver o mundo com os olhos dele.
3 – Mudança
Em sua história o herói passa por alguma mudança? Xena muda de guerreira de passado perverso para heroína do bem. Geralmente o personagem central além de mudar, pode provocar transformações em outros que o cercam. Ainda observando Gabrielle, podemos destacar diversas mudanças nela conforme o passar das temporadas. Ela passa de ajudante irritante à aprendiz de guerreira com o bastão; de princesa à rainha amazona; de seguidora pacifista de Eli à guerreira dos sais. Por sua vez, Callisto também evolui de guerreira louca e assassina para deusa maligna, mais tarde de mensageira do mal para diaba e, por fim, anjo.
4 – Atitude
É como o personagem age em determinadas situações. Xena possui muitas habilidades, quando luta gosta de sorrir para desestabilizar seus oponentes, também gosta de saltar muito e soltar o seu grito de guerra; Callisto também tem o seu grito marcante, suas falas sarcásticas e os seus gestos de dedos; Joxer não é bom de luta, mas ajuda ou atrapalha da forma que pode e é sempre engraçado; Gabrielle luta com seu bastão, mas quando pode prefere resolver tudo na conversa.
Definindo o Narrador
Quando começamos a escrever é necessário também definir previamente quem irá narrar a história. Ele é inexistente, é um narrador que fala em off (não aparece) ou é alguém presente na história? Ele conversa diretamente ou indiretamente com o público ou apenas dá explicações básicas? (aqueles letreiros que surgem apenas para exibir no nome do local e o tempo em que a ação ocorre.) Ele é onisciente ou vai descobrindo os fatos conforme o espectador? O importante é que ele também seja sempre coerente e constante. Se a história começa com um narrador onisciente ele jamais poderá demonstrar surpresa. E se ele for um dos personagens não pode saber o que se passa na cabeça dos demais e muito menos antever as ações deles. Se alguém começa a contar a história de preferência é o próprio que deve terminá-la.
E em que ponto do tempo dramático o nosso narrador está? No passado quando a história apenas está começando ou no futuro, quando a história já aconteceu para ele. Em “Carlota Joaquina, Princesa do Brasil” o narrador é presente em uma história paralela. É um professor escocês do século XIX que dá aulas de História para sua pupila, neste caso a sua narrativa é indireta e ele está no nosso passando contando a história em um ponto de vista do futuro referente a historia que narra. (complicado não?) Em “Memórias Póstumas de Brás Cuba” (2001) o narrador é um defunto onisciente que fala diretamente ao espectador o desenrolar do seu próprio velório além de narrar fatos passados da sua vida. Em “You are there” – XWP o narrador é um jornalista sensacionalista, um dos personagens que vai desvendando a verdade dos fatos conforme do desenrolar da história.
Diálogos
O diálogo é uma função dos personagens, as suas falas ajudam a compô-los. O linguajar de um personagem deve refletir a sua realidade social. Um catador de papéis não verbaliza como um gerente de indústria e nem um professor universitário se expressa como um traficante do morro.
Alguns roteiristas costumam errar na dose ao colocar as suas crenças, críticas e comentários na boca dos personagens. Um personagem que pensa e fala por si só sempre será sempre mais forte, o roteirista deve preferencialmente conduzir os seus pontos de vista nos resultados das ações dos personagens e não nas suas falas. Melhor do que colocar a denuncia de um crime na fala de um personagem é mostrar que ele viu ou sofreu o crime, pois diálogo não é tudo, cinema é 90% imagem!
“O poeta deve falar o menos possível por conta própria” – Aristóteles.
Os diálogos também servem para interligar cenas, pois uma pergunta muitas vezes é respondida na cena seguinte.
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