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8 - 11 minutes readCurso de Estrutura de Roteiros cap 1

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Aprendendo linguagem cinematográfica com Xena

SSenaT – baseado no curso de roteiros de Eliete Beleza

 

Objetivos deste curso:

Em princípio, compartilhar o conhecimento deste tema com toda a comunidade Xenite, principalmente àqueles que sentem necessidade de escrever e desenvolver seus próprios roteiros de fanfics. Este curso também visa instrumentalizar aos leitores da Revista Xenite (RX) para que passem a apreciar os episódios de “Xena, a Princesa Guerreira” (XWP) de um modo mais abrangente, indo muito mais além do olhar da paixão que nos limita a ficar adorando a atuação e a beleza das atrizes.

Introdução

Muitos fãs de seriados gostam de escrever fanfics, este é um excelente começo para iniciar uma carreira de escritor. É bem provável que nem tudo o que estes iniciantes andam escrevendo já tenha a qualidade de um Doc Comparato. Entretanto, qualquer um que com afinco e paixão se dedique em seus escritos já possui um vasto potencial para algum dia chegar lá.

Para construir uma carreira literária é necessário transpor um árduo processo ao longo da vida. De início, ajuda muito fazer cursos. Mas apenas isso não basta, também é necessário gostar muito de ler e escrever. E isso implica também em aprender como escrever com coesão textual e correção ortográfica. Também é necessário ter sempre disposição para pesquisar a respeito de tudo que for necessário, ser tornar um bom conhecedor da história universal adquirindo, assim, uma vasta bagagem cultural. Mas tudo isso são fundamentos que só são adquiridos na proporção direta do tempo investido neste processo.

É necessário também aprender a desenvolver e estruturar as ideias. De início não é importante que os temas desenvolvidos sejam geniais, bons ou fracos. O importante mesmo é aprender a colocá-los no papel com a formatação específica demonstrando a competência de um profissional. Isto é o mínimo necessário para que os produtores ou patrocinadores não lancem seus escritos na lata do lixo antes mesmo de ler por completo a primeira página das suas sinopses.

Em breve abordaremos quais são as ferramentas necessárias para o desenvolvimento de ideias e como funcionam as técnicas do processo criativo, também como capturar, associar e integrar elementos e conteúdos de forma a criar novos produtos, além de como adaptar e desconstruir ideias. Mas tudo isso só é possível executar quando se conhece bem os instrumentos.

Portanto, aprender como funciona o processo criativo é o primeiro passo. Os próximos passos são colocar ele para funcionar; escrevendo, escrevendo e reescrevendo, ainda que errando, pois identificar os equívocos cometidos também faz parte do aprimoramento técnico.

 

Christopher Vogler escreveu em “A jornada do Escritor”: “É comum que as pessoas pensem no Herói em termos de força ou coragem, mas essas qualidades são secundárias em relação à capacidade de sacrifício – esta sim, a verdadeira marca do herói.”

 

Aula 1 – A arte imita a vida

                                              

A arte imita a vida”: esta frase é bem conhecida, ela é atribuída ao filósofo grego Aristóteles (384 A.C – 322 A.C.) Ele foi um dos primeiros teóricos da função social da arte e do teatro: “A Arte imita os caracteres, as emoções e as ações”. Também escreveu: “A tragédia é a imitação de uma ação completa com princípio, meio e fim.

Segundo Aristóteles, o objetivo social da tragédia seria provocar na platéia a catarse (Κάθαρσιςkátharsis“- purificação), ou seja, provocar a liberação das emoções e paixões de forma a serem domadas. Sendo assim, pela catarse a índole animalesca e violenta do espectador ao final do espetáculo estaria anestesiada. Aristóteles acreditava que um espectador que assistisse a imitação de um grande pecado e que, ao final da peça, testemunhasse o ator pecador sendo drasticamente punido pelos deuses, o espectador não seria capaz de cometer o mesmo desatino do ator na vida real. Também acreditava que o espectador ao testemunhar o sofrimento extremo de uma personagem, ao final da encenação, perceberia que os seus próprios problemas e aflições não seriam mais tão graves e insuportáveis assim.

Estes princípios e conceitos aristotélicos de certa forma ainda se perpetuam em os nossos dias embora ninguém mais acredite que uma boa interpretação possa impedir crimes e pecados de acontecerem.

Primeira Regra: O roteiro tem que ser coerente conforme a realidade.

Baseados no principio aristotélico que a arte imita a vida já se obtém a primeira regra: O roteiro tem que ser coerente conforme a realidade. Os seja, a história contada deve refletir a nossa realidade, mesmo que a história seja desenvolvida em um mundo fantasioso. Por exemplo, o universo mítico da Terra Média que J. R. R. Tolkien criou foi descrito com tamanha riqueza de detalhes baseado na nossa realidade que, mesmo que todos nós saibamos que elfos, árvores andantes e dragões não sejam reais, ao lermos seus escritos não nos importamos com isso, pois pela riqueza e coerência das descrições dos fatos somos todos conduzidos a crer que pelo menos naquele universo tudo isso seja plenamente possível de existir.

 

“…se a personagem que se pretende imitar é por si incoerente, convém que permaneça incoerente, coerentemente”. – Aristóteles

 

Acreditando no inacreditável

Mas, se de acordo com a primeira regra (O roteiro tem que ser coerente conforme a nossa realidade.) e se a credibilidade é importante… Por que então os filmes de ação como “Xena, a Princesa Guerreira” em aventuras mirabolantes nos envolve tanto e fazem tanto sucesso? Ocorre que quando a narrativa e as ações são bem estruturadas, surge o fenômeno em que o público acaba deixando-se envolver pelo clima construído, de tal forma como se o espectador estivesse dentro da cena, ao lado do herói sendo o seu cúmplice. Mesmo quando sabemos que a ação seja estupidamente fantasiosa, se estamos envolvidos, passamos psicologicamente a interagir, torcendo para que tudo se resolva da melhor forma para o herói, seja lá como for. O espectador passionalmente passa a aceitar os fatos como sendo possíveis dentro da narrativa, passando a ter a mesma credibilidade que uma criança pré-lógica tem no Papai Noel.

Syd Field (escritor e roteirista americano) denominou este fenômeno como: “suspensão voluntária da descrença”.

 

Quando Xena em “Between the Lines” molha e torce um tecido com tamanha força que este se torna um bastão e, com ele, Xena derruba seus inimigos. É inevitável que o mais fanático dos Xenites pense neste momento: “Ma qui mintira!!!” Entretanto, a construção da narrativa, o cenário, a música, as vestimentas e a ação da luta levam-nos a “tolerar” este pequeno detalhe, o que importa mesmo é que Xena vai meter paulada em todo mundo com aquele pano molhado.

“Existe algo mais importante do que a lógica: a imaginação. Se a idéia é boa, a lógica deve ser jogada pela janela.” – Alfred Hitchcock.

Segunda regra: Pesquisar é quase tudo

Ao construir uma obra de ficção, antes de tudo o escritor deve pesquisar muito sobre todos os elementos que irão compor a sua história. Atualmente ninguém pode construir um bom roteiro sem antes “vivenciá-lo”, conhecendo o ambiente ou cenário, a cultura local onde os personagens vivem ou vão atuar.

Jorge Amado baseou toda a sua obra literária na Bahia e seus habitantes, entretanto ele não teve necessidade alguma de pesquisar nas bibliotecas, pois ele já sabia tudo sobre a vida baiana. Ele nasceu lá, ele pessoalmente conheceu a maioria dos seus personagens. Conheceu a verdadeira Gabriela e o Seu Nacib. Sabia como os castelos (bordéis) da velha Salvador eram, pois os freqüentara quando era jovem. Sabia como eram as plantações de cacau de Ilhéus e como viviam e agiam os coronéis.

Agora, se nós queremos escrever sobre fatos em um cenário como a Grécia antiga, lugar em que nunca estivemos, pelo menos nesta vida, só nos resta mesmo pesquisar a fundo a respeito do tema. Como eram as cidades? Como eram os costumes dos gregos antigos? Suas crenças, cultura e tradições? Há algum tempo esta era uma etapa muito sofrida do processo criativo. Atualmente, com o surgimento da Internet e com o aprimoramento dos sites de busca e pesquisa, tudo ficou bem mais fácil.

Da mesma forma, se queremos escrever fanfics especificamente baseadas em XWP devemos conhecer a fundo toda a saga da série. Temos de assistir diversas vezes a todos os episódios das seis temporadas e, se possível, ler também as temporadas virtuais. Caso contrário pode-se cair no risco que gerar histórias com personagens e fatos que entrem em conflito direto com a narrativa base do seriado mãe. Causando certo estranhamento ou descontentamento nos seus leitores xenites, mesmo que as suas histórias sejam boas.

Quando a pesquisa é falha

Na série XWP, o aparente desleixo com a relação à pesquisa histórica e cultural da Grécia antiga, embora que de certa forma tenha sido intencional para se adaptar ao gosto do público infanto-juvenil, foi quase um tiro no pé. Definitivamente a Grécia antiga não era daquela forma, não era daquele jeito que os gregos se vestiam, os fatos e personalidades históricas não respeitam a linha do tempo e nem mesmo a mitologia grega foi lá muito respeitada. Estas brincadeiras com o tempo e a realidade histórica involuntariamente colaboraram para que o seriado ganhasse a fama de ser tosco e visto com maus olhos por muitos. Porém, isso não impediu que XWP conquistasse uma imensa legião ardorosa de fãs em todo o mundo. Provavelmente muito mais pelos méritos da narrativa e ao grande carisma das atrizes. Caso a pesquisa histórica da cor local fosse levada um pouco mais seriamente como foi em “Spartacus” certamente o seriado teria rendido mais elogios. No entanto, certamente poderia acabar conquistando outra classe mais seleta de fãs, porém, bem mais reduzida.

Para nós, brasileiros, nada soa mais ridículo do que certas antigas produções cinematográficas estrangeiras ambientadas no Brasil. Cenas de filmes do Agente 007 com caminhões carregados de banana passando pela Av. Atlântica; Com cenas de carnaval ao ritmo de rumba com foliões todos de branco; Com a floresta Amazônica dando sopa, logo ali, depois do túnel. Tudo isso nos parece totalmente ridículo, pois nós, brasileiros, sabemos como de fato o Brasil é. Mas, para o olhar estrangeiro, tudo era plenamente coerente, pois retratavam um Brasil que cabia muito bem no seu imaginário.

                   

Atualmente não dá mais para escrever e vender uma história baseada, por exemplo, na vida de D. João VI sem que o roteirista antes tenha pesquisado a fundo sobre o tema. Nesse caso, não apenas sobre a vida dos personagens, mas também sobre o cenário da época e sobre os fatos como realmente ou provavelmente ocorreram. Tudo isso é importante para alcançar bons resultados. A produtora e diretora Carla Camurati, com maestria, fez exatamente isso. E o seu filme “Carlota Joaquina, Princesa do Brasil” recebeu grandes elogios do público e dos historiadores, mas ela também recebeu severas críticas por parte de outros por inconvenientemente ter desconstruído a imagem da nossa nobreza, cristalizada pela história oficial.

Cinema é arte, mas também é uma indústria. Um roteiro antes de tudo é um produto a ser vendido. E, para tanto, deve passar credibilidade. Tanto para quem compra a ideia como para quem o assiste. Quem paga para ver quer coerência e qualidade. Não importando a sua cultura ou língua. Atualmente, muitos fatores estão em jogo; o orçamento do produtor, o dinheiro dos patrocinadores e o salário de todos os envolvidos. Se uma produção milionária tem bilheteria fraca em algum país já é suficiente para dar um grande prejuízo. É por isso que cada vez mais as produtoras investem em pesquisas de época, na montagem de cidades cenográficas bem realísticas, em novas tecnologias e, principalmente, em bons roteiros para contar muito bem as suas histórias. E estes roteiros são cada vez mais bem estruturados, baseados em intensas pesquisas. Ninguém mais investe dinheiro em histórias contadas por amadores. Ninguém mais aposta em improvisos e é por isso que cada vez mais os filmes estrangeiros ambientados no Brasil nos chegam mais próximos da nossa realidade.

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