Sim, havia muito sangue…
Robson Cardosos dos Santos
A violência em XWP
A ideia para este artigo veio da senhora minha mãe. Estava eu, certo dia, assistindo XWP, e a matriarca da casa estava do lado bufando de indignação diante de uma luta em que Xena encontrava-se em certa desvantagem. Lembrei-me de uma observação que dona Claudete fez quando eu era bem pequeno, e estava assistindo comigo a um episódio de Batman Animated Series, onde o morcegão tomava uma baita surra de um de seus inimigos mais encorpados: “Ai, filho, que Batman mais molenga! Heróis não deviam apanhar tanto assim!”.E essa lembrança me fez questionar duas coisas; primeiro: o que eu, como fã, sinto ao conferir as lutas em que Xena é praticamente reduzida a um farrapo humano?; e segundo: é realmente apropriado mostrar tamanha degradação de um ícone pop?
Violência: uma válvula de escape
Seu chefe te encheu o saco e tu ficou amaldiçoando ele o dia inteiro? Sua namorada te traiu e tu planeja “agradecê-la” pelo par de chifres? Tem vontade de puxar uma metralhadora, mirar nesses infelizes e enfiar o dedo no gatilho? Ou prefere métodos de tortura mais anacrônicos, como adagas e chicotes?
A mente humana fervilha quando algum aborrecimento parece distante de nossa capacidade de resolução imediata e temos de simplesmente “baixar as orelhas” diante de certas pessoas e situações, recolhendo-nos à sombra da submissão. E a violência que vemos em filmes de repente nos parece tão atraente e convidativa e nos convencemos que a vida seria mais suportável se pudéssemos livrar o mundo daquela criatura imbecil que só ocupa espaço. Assim sendo, é naturalmente humano pensar que a violência é o melhor remédio para a cura de nossos problemas. O desejo da prática da violência é uma válvula de escape, um extravase de nossas raivas, aflições e ansiedades; nos sentimos excitados, nos sentimos relaxados assistindo nossos heróis sortudamente abençoados com o privilégio de cometer os atos sanguinolentos que jamais poderemos executar nesta vida. Ou melhor, até podemos realizar tais atrocidades contra nossos desafetos, mas eu sou mais a favor de levar desaforos pra casa e contar até 10 até me acalmar do que ter de ver o sol nascer quadrado na manhã seguinte e deixar órfãos por aí. E, obviamente, é punível por lei qualquer ato malvado para com nosso vizinho. Estou falando de cadeia, meus amigos. As chances de escaparmos impunes, igual a nossos heróis, são pequenininhas.
Desde pequeno eu tenho um fascínio mórbido por violência gráfica; verdadeira adoração por filmes onde vísceras e membros escorrem grudentos pela tela. Mas ver pessoas morrendo no cinema e na TV só me excita quando eu não tenho um especial afeto pela personagem espancada. Percebi que me perturba um pouco ver minhas heroínas favoritas tomando porradas cruéis. Elas não são como a Buffy, que possui uma resistência física sobrenatural e uma veloz capacidade de cicatrização. Xena e Gabrielle são humanas de carne, osso e esforço, desprovidas de dons místicos como minha doce Caça-Vampiros loira. E ver Xena banhada de sangue, por mais belas que sejam a fotografia da cena e a atuação de dor de Lucy, sempre fico me remexendo de inquietação…
Callisto, César, Najara, Alti e Yodoshi, só pra citar alguns, foram responsáveis por hematomas bastante graves em nossa Princesa Guerreira. Todo Xenite se choca com a violência desferida no corpo de nossa amada Xena, e flui em nossas veias um veneninho chamado desejo de vingança. O bom é que Xena sempre ia lá e dava o troco geralmente em um dinar mais caro! Mas até que ponto os machucados de Xena eram realistas?
Diante de inimigos tão poderosos, por vezes deuses e monstros, Xena nem sempre tinha sorte de vencer ilesa. Após muita técnica e suor, ela cantava vitória, mas havia momentos em que essa cantoria vinha num timbre de dor. E devemos considerar justo que ela de vez em quando escapasse com bem mais do que um simples arranhão, já que as habilidades dela eram incríveis ao ponto de humilhar as cartas na manga de qualquer oponente. Então, pra equilibrar a balança, ao passo que Xena pulverizava a maioria de seus rivais com larga vantagem, alguns poucos deles engrenavam num mano-a-mano em pé de igualdade com ela. Resultado disso: muito, muito sangue.
Alguns machucados de Xena chegaram a latejar na carne dos Xenites. Quem não roeu os dedos ao ver Xena perder os braços em The Way, lutando contra Indrajit? Que tal dedicarmos um minuto de silêncio e rezarmos para Krishna? Se não fosse graças a ele, meus amigos, Gabrielle teria virado viúva muito antes de um certo AFIN…
Najara foi uma que conseguiu em apenas um episódio ferir Xena fisicamente de maneiras mais brutais do que Callisto vinha tentando “sem sucesso” há 4 temporadas. Bom, tia Call tinha seus méritos por ser mais engenhosa, feria Xena mais emocional do que fisicamente, roubava o corpo dela em sonhos de culpa, metia uma adaga em Argo, conspirava para a morte do filho dela etc. Mas como até o mais metódico dos vilões tem seu limite de cautela, Callisto teve uma hora que embrabeceu e tacou o chakram na coluna de Xena em Ides of March. Simples assim.
E os homens do assassino dos pais de Gabrielle? Eles praticamente moeram nossa Xena em Who’s Gurkhan? Olho roxo, inchaços e sangueira escancarados como tudo que a 6ª temporada teve de elevado ao cubo se comparado com os 5 anos anteriores (não implícita aqui uma indireta para os subbers, ok?).
E quem sofria assistindo de camarote era Gabrielle. Imaginem a agonia da barda ao ver sua amada Xena machucada daquele jeito em Destiny? Ou caída e indefesa em Ides of March? Em ambos os casos, Gabrielle foi além do limite de sua experiência e crenças espirituais e lutou pela vida de sua amiga. Não é o que amigos fazem uns pelos outros antes de se tornaram qualquer coisa acima disso?
E aquela Xena morta e decapitada em AFIN? Me embrulha o estômago só de pensar em como é ver o amor da sua vida machucado dessa maneira bárbara. Eu trocava de lugar com ele no mesmo instante. Tu não?
Se tu leu este artigo e ficou pensando que existem dores piores do que as físicas, como, por exemplo, sentir o que Gabrielle sentiu em seu coração nas situações acima… só uma dica: faça de seu corpo um alvo para uma nuvem de flechas e depois me diga o que dói mais: tristeza de espírito ou furos na tua carne! Brincadeiras à parte, tenho uma pessoa muito especial na minha vida que me diz que a intensidade de uma dor é muito particular: eu posso sofrer horrores com um pontapé no meu saco, mas as Xenites mulheres aí jamais saberão o que é essa agonia, assim como eu nunca terei a noção da dor de um parto. Gabrielle sofria ao ver o sofrimento da pessoa que amava, porque dor emocional se alastra pela cabeça, pelo coração, pela alma, e atinge em cheio o físico, dá tonturas, aperto no estômago, arrepios de frio. E ficar em posição fetal só por preocuparmos-nos tanto com alguém que acha muito sacrificante estender a mão pro telefone, discar o nosso número e nos falar: “Oi, só te ligando pra avisar que tô bem! Como tu estás? Saudade…”.
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