Crônicas

5 - 7 minutes readA Guerreira Dentro De Nós

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Por Alessandro Chmiel

            Antes de mais nada, eu, Alessandro Chmiel, xenite de corpo, alma, espada e chakram, gostaria de esclarecer minha ausência da GIRL POWER desse mês. Eu cedi meu espaço ao nosso tão popular Robson, para falar da estimada Buffy, a Caça Vampiros,  história da qual eu sou um completo ignorante.
            Sem deixar de meter o dedo (ou todos) nessa tão amada revista, eu resolvi postar um texto que escrevi em maio de 2007 para uma cadeira da faculdade de Letras, Leitura e Produção Textual. O objetivo era escrever um texto sobre emoção forte ou sobre um aprendizado, e não sei ao certo em qual dos dois contextos o que escrevi se aplica.
            Pra ir direto ao ponto, acho que as últimas linhas explicam um pouco o motivo de escrever sobre outras heroínas na seção GP. Divirtam-se e emocionem-se, e comentem, por favor!
            Abraço, e até o próximo mês com uma noiva bem fora do comum.

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A guerreira dentro de nós

 A música de encerramento tocou, e os letreiros desciam na tela escura. Deitado no sofá, eu chorava sufocadamente pelo final de uma verdadeira era. É incrível como algo que parece tão simples pode significar tanta coisa para uma pessoa, ainda mais se se tratar de um programa de televisão.
Houve uma época em que tudo que eu começava a gostar, logo acabava. Eu, na minha infância, já me dava conta de que as coisas não duravam para sempre; e mesmo conhecendo esse rumo, era frustrante. Fossem amigos que iam para longe, ou grupos musicais que simplesmente encerravam sua carreira sem darem maiores explicações, entre o resto das perdas pessoais que se têm quando a adolescência dá o ar de sua graça. E foi quando eu percebi que a vida tinha mudado definitivamente, eu conheci uma mulher.
Era mais um dia do ano 2000, e me encontrava na quinta série do ensino fundamental. Naquele ano, a turma passou de dezoito para trinta e cinco alunos, e juntamente com a bagunça vieram revelações de que a vida era algo mais do que dar as mãos, estudar e brincar de qualquer coisa com os amigos. Namorar não era só para beijar na boca (namorar nem era mais namorar), existiam várias outras matérias escolares complicadas, e amigos não serviam somente para brincadeiras. Cheguei em casa estressado como normalmente, e à noite fui até a sala para assistir televisão junto ao meu pai, que estava pulando os mais de duzentos canais da recente TV paga. De repente, durante o canal de amostras, vejo uma bela morena bronzeada, cabelos longos de uma franja charmosa, profundos olhos azuis, revestida em armadura encouraçada, fazendo acrobacias no ar e malabarismos com uma espada e um disco cortante em um cenário montanhoso deslumbrante. Encantei-me à primeira vista, e dei um berro quando meu pai passou o canal novamente. Ele retornou, mas só pude ouvir as palavras “…Xena, no USA (como se pronuncia no inglês)!”.
Encontrei o canal na mesma noite, e na mesma rapidez com que eu a vira, o ritual de assistir o seriado americano virou rotina: todo dia útil, às dezenove horas, eu sentava no sofá da sala e conhecia um pouco mais da heroína dos tempos antigos. Além de linda, Xena era forte, ágil, habilidosa, inteligente, cheia de bravura, nobreza e bondade. Não notei, entretanto, a grandiosidade que aquele encontro resultaria na minha vida. Eu era um garoto muito controlado nas atitudes, mas a pré-adolescência me deixava completamente indefeso, sem domínio de mim mesmo. De onde mais eu poderia tirar coragem para as coisas, senão da única inspiração à minha volta? Ao invés de focar o lado bom, porém, eu me espelhei no mais empolgante.
Mudei totalmente de comportamento. Achei que podia lidar com qualquer um, a qualquer hora, mesmo sem grandes motivos para confrontos. Tomei vício do seriado da forma mais errônea possível. Virei um menino arrogante, baderneiro, brigava com todos que me olhavam feio, inclusive com meus amigos, até quando não mereciam. Durante quase dois anos eu representava o lado cruel e maligno de Xena, tamanha a influência dela. Quando me dei por perdido, e só me sobrou o mesmo programa de televisão de consolo, resolvi prestar atenção e ver tudo novamente.
Sim, Xena estava além de seus saltos impossíveis e seu característico grito de guerra. A Princesa Guerreira tinha um passado que a condenava, por anos de maldade que causara. Entretanto, após sofrer por suas atitudes, decidira trilhar o caminho do amor. Foi incrível como minha concepção mudou, e finalmente fui percebendo a alma daquele seriado que tinha feito minha vida cambalear. Em meio às suas aventuras mitológicas unida à sua fiel amiga Gabrielle, fui aprendendo junto às duas as mais diversas lições sobre convivência, honra, sabedoria, e tudo o mais que eu precisava naquele momento.
Não foi de uma hora para outra que a mudança teve fim. Perdi meus melhores amigos, enfrentei as pessoas que conheciam meu jeito antigo e não acreditavam na minha reconstrução, e volta e meia pagava pelos meus pecados passados. Inspirando-me na minha heroína, não me deixei abalar e continuei insistindo, aprendendo, tomando seus ensinamentos como filosofia de vida.
No meio dessa verdadeira batalha contra mim mesmo, me dei conta de que o seriado havia acabado nos Estados Unidos, e em breve o Universal Channel (o nome do canal havia mudado) passaria a sexta e última temporada, e por conseqüência o derradeiro e último episódio. Entrei em processo de perda, pois eu estava de fato perdendo duas verdadeiras amigas. Não acredito que a televisão é uma verdade a ser alcançada, e sim na essência das boas mensagens, e o que elas podem acrescentar à minha vida. E com certeza aquele seriado era especial, por ter sido ao mesmo tempo minha cruz e minha ressurreição.
Lembro de ter visto o último episódio junto aos meus pais, no horário nobre, na expectativa de saber o que realmente aconteceria com Xena, e o que talvez aconteceria comigo. Lia sobre rumores dela morrer, e era incabível essa hipótese. “Ela dá um jeito de voltar. Já morreu antes, sempre volta de alguma maneira”, eu dizia.
A introdução, a apresentação extática, a música dando o ritmo. O medo ia crescendo à medida que o episódio ia terminando. Ela arquitetava, lutava, Gabrielle ajudava, uma última esperança… sem resultados. E naquele dia, depois de morrer, a imbatível guerreira não pôde mais voltar, pois morrera em sacrifício de uma causa nobre.
Eu chorei muito, desesperadamente, angustiadamente, dolorosamente. Outra coisa de que eu gostava levou fim. Talvez a coisa que eu mais tivesse me apegado até então.
Xena se fora.
Saí desembestado de bicicleta pela cidade olhando para o céu, pensando o que faria dali pra frente. Seria cômico se fosse um sentimento fictício. Não foi exagero, foi a culminância das minhas emoções.
Acredito que ela teve que morrer porque nossa história só se encerra na morte. Enquanto continuamos vivendo, nossa jornada neste mundo ainda não terminou. Eu morrerei um dia, e partirei feliz se houver lutado por um mundo mais justo e por um “eu” mais digno.
Hoje em dia eu ainda assisto às aventuras de Xena e Gabrielle pela Internet, prestando mais atenção nos diálogos e sempre aprendendo uma coisa nova. Podemos mudar a cada segundo da nossa vida, e me orgulho de saber que essa e outras tantas lições saíram da história da eterna Princesa Guerreira. Se não consegui expressar com clareza o que representou assistir ao último episódio, o significado dessa mulher na minha vida, talvez uma frase se expresse melhor, a qual diz que “Hércules é o herói que esperamos encontrar lá fora. Xena é a heroína que esperamos encontrar dentro da gente”. E se por acaso esse herói não for a Xena, que encontremos outros que revelem o melhor de nós.

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