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5 - 6 minutes readUm Xenite Pequeno e a Compreensão da Morte

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Por Robson Bardo

 

 

Um Xenite Pequeno e a Compreensão da Morte

 

morte

 

Acho que eu tinha 9 anos quando tive minha primeira compreensão da existência da Morte. Até essa idade, nenhum parente meu havia falecido, e Duque, meu cachorro que ganhei no meu aniversário de 4 anos, exibia-se ainda muito moço e bem disposto, ou seja, nem um pouquinho inclinado a bater as botas. Não, meu primeiro esbarrão com a Dona da Foice não foi dado fisicamente… foi através da TV… por meio de uma notícia que vi depois que um episódio de Xena terminou no canal USA… uma notícia que nunca mais me saiu da cabeça…

 

Não posso dar muitos detalhes da notícia, minha memória não me ajuda, eu era muito pequeno e não me recordo da riqueza de informações com que ela foi veiculada. Tudo que eu posso dizer é que essa lembrança implantou-se na minha cabeça numa bela noite de verão, quando terminei de assistir ao episódio “Mortal Beloved” (1a temporada, episódio 16) no USA Channel. Eu sempre assistia Xena de segunda a sexta-feira, das 19h às 20h, na TV da cozinha. Acho que por eu sempre ter sido um bom aluno e um filho único educado e caprichoso, eu acabei por conquistar o direito de ficar de proprietário do controle-remoto neste horário enquanto meus pais distraíam-se na mesa ao jantar. Nesta noite em questão, o episódio havia acabado e eu já ia me levantando pra ir brincar no pátio, a fim de aproveitar os últimos raios de sol do dia (era horário de verão, isso eu me lembro bem), quando meus ouvidos foram puxados para uma notícia que estava sendo transmitida no Jornal Nacional…

 

Meu pai havia sintonizado a Rede Globo, e, com o sensacionalismo típico do Jornalismo brasileiro, podíamos ver cenas de um homem num tribunal sendo escoltado por vários seguranças… Os repórteres em alvoroço diziam que, pelo crime que ele havia cometido, sua sentença seria a Morte. Obviamente, não me vem à memória o crime que ele cometeu para receber tal penalidade. Mas o que eu me lembro com uma intensidade assustadora é que ele seria executado naquela mesma noite, às 20h em ponto, numa cadeira elétrica… Olhei para o relógio de parede da cozinha: 19h55, Xena sempre acabava uns minutinhos antes das 20h. Não impactado (ainda) pela notícia, eu saí para brincar lá fora…

 

Brinquei por alguns minutos. Eu estava fazendo uma coisa que eu gostava muito, que era pegar um pedaço de vidraça, colocá-lo sobre uma pedra e, munido de outra pedra pontiaguda, ir esmigalhando o vidro em minúsculos caquinhos (certa vez, quase perdi a visão de um olho numa destas minhas estranhas brincadeiras quando uma lasca saltou na minha cara). Foi aí então que, entre uma batida e outra no vidro, eu parei com o braço no ar, a caminho de produzir mais estilhaços, e uma certeza tomou conta dos meus sentidos: “Já passou das 20h. O cara da notícia já deve ter morrido…”

 

Posso jurar pra vocês que essa lembrança meio monocromática ainda surge na minha mente às vezes, e fica comigo em meus pensamentos durante várias noites, me fazendo companhia enquanto não caio no sono. Não sei a razão disso. Talvez eu estivesse muito feliz, como eu sempre ficava após assistir a um episódio de Xena, e de repente eu tivesse me dado conta de que alguém, muito longe de mim, naquele momento não podia estar feliz… alguém que eu sabia que jamais iria ser feliz novamente… alguém estava ocupado perdendo a vida. Um cara que muito provavelmente, por mais horripilante que fosse o crime que ele tinha cometido, deixava para trás amigos e família.

 

Engraçado que no mesmo episódio de Xena que passou naquela noite eu estava diante do tema da Morte. Hades, ou Celesta, o Destino, o que fosse, algo impedia Xena e Marcus de ficarem juntos para viverem uma história de amor. A morte de Marcus era obrigatória. A Morte, aquela que vinha pra impor que travessões não fossem mais colocados, matando diálogos, pintando o império do silêncio por todos os lados. A Morte, que proibia que aspas fosse abertas, tolerando somente pontos finais. Mas eu não ficava encucado com esses dilemas. Não ainda. No meu íntimo, eu sabia que Xena era fantasia, não era de verdade. Ela sempre resolvia tudo no final porque era poderosa, uma heroína, diferente de nós mortais do século XXI. O que era real era aquele moço sentando numa cadeira com interruptor e virando churrasco debaixo de sabe lá Zeus quantos volts… AQUILO era realidade, e mesmo na noite quente que falei pra vocês eu senti frio, aquele gelo que sempre me acompanha quando fico em estado de profunda reflexão. Tristeza? Por um estranho? Não podia ser isso. Mesmo eu já estando bem ciente de que a violência existe  tanto dentro quanto fora de um episódio de Xena, eu fiquei triste. Me parecia doloroso ficar indiferente. Eu não sabia por que o cara havia sido condenado, eu não tinha a versão dele da história. E se fosse inocente? E mesmo que ele tivesse matado alguém, o que provavelmente mais me assustava era o fato de que foram necessárias muitas, muitas pessoas para escolherem que aquele cara tinha que ter sua vida interrompida em cima de uma cadeira elétrica. Me dava calafrios imaginar que muita gente iria se deliciar com o assassinato daquele homem, o prazer e a falsa paz de espírito daqueles que obtiveram sucesso em sua vingança mascarada de justiça. Pessoas que se tornavam tão bárbaras quanto o montro que empenhavam-se para aniquilar.

 

Muito novo eu era para entender como a Morte poderia ser dada como castigo para as pessoas. Imaturo, ingênuo eu era para compreender que algumas pessoas fazem por merecer punições extremas como ter o próprio corpo eletrocutado. Assassinos, estupradores, terroristas… O que aquele cara era, eu não sei dizer, mas o que eu me tornei depois daquela noite, é só vocês me perguntarem. Depois das sensações daquela noite, posso garantir que nunca mais brinquei de estraçalhar vidro. De repente, como que um recado anônimo de alguém não deste mundo, eu estava sabendo que aquela brincadeira era perigosa. Do nada, eu soube que a vida da gente é uma coisa muito delicada, frágil, que pode ser tomada tão facilmente por uma descarga de alta voltagem. Ou por uma lasca de vidro esmigalhado.

 

 

 

 

 

5 Comments

  • Mára

    Impressionante… consegui imaginar você brincando e esta relação com o perigo. JN e Xena… Se é vingança em forma de justiça eu não sei, mas foi impressionante a forma com me fizeste viajar até teu “lá fora”. Parabéns Bardo pois é isso que fazem os bardos , nos fazem viajar para outro tempo e lugar. Obrigada.

  • Alê Chmiel

    Eu quis dar um abraço nesse Rob criança neste momento.
    Meu amigo Diego olhou-me lendo o texto e perguntou “O que foi que houve, por que essa cara?”, tal era meu espanto e envolvimento nessa hora. Engraçado como XENA conseguiu traçar um paralelo com a tua infância de realidade inocente, mas tão sabedora.
    Saudade, conterrâneo.

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