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23 - 32 minutes readUm lado pouco visto da criação de Xena

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Ás vezes buscando por determinado material internet a fora, encontramos algumas pérolas que não tem muito a ver com o tema inicial de nossas buscas, mas acabam se mostrando achados mais interessantes do que a intenção inicial. Foi numa dessas explorações que me deparei com alguns textos que trazem alguns insights muito interessantes a respeito dos processos criativos do início tanto de Xena quanto de Hércules.

Em 2011, John Schullian, co-criador de Xena escreveu uma série de memórias “From Ali to Xena”, publicadas aos pedaços numa página chamada Alex Belth’s Bronx Banter. No ano seguinte, esses  posts foram compilados em três partes, e é na última delas que ficamos sabendo alguns fatos bastante interessantes a respeito dos passos iniciais de Xena e Hercules, bem como um lado um pouco menos virtuoso de algumas figuras bem conhecidas por nós. Minha intenção aqui na RX, não é trazer isso aqui para falarmos mal de ninguém envolvido na produção de XWP, mas como “portadora da fofoca/ informação”, apenas mostrar um lado pouco falado do Xenaverse. A maior parte desse artigo será composto de trechos do material publicado por John Schullian, assim sendo, apenas a versão dele dos fatos. De todo modo, uma versão menos conhecida pelo fandom.

Tudo começa no capítulo 41 dessas memórias, intitulado “If the phone doesn’t ring”, onde Schullian relata que se encontrou desempregado após uma série de desventuras e idas e voltas escrevendo para alguns estúdios da época e foi durante a batalha para se reerguer e colocar seu nome de volta ao jogo que “Hercules” apareceu.

“Não era o tipo de espetáculo que
eu sonhava em fazer, mas como Steven Bochco me disse, você vai onde está o trabalho. Sam Raimi e Rob Tapert, dois amigos de Detroit que fizeram sucesso com filmes de terror, estavam fazendo de “Hércules” sua primeira aventura na
TV. Ou melhor, Tapert estava fazendo isso enquanto Raimi tentava colocar sua carreira de diretor de volta nos trilhos. “Evil Dead” e “Army of Darkness” fizeram dele um herói cult, mas seu último esforço, um faroeste de Sharon Stone
chamado “The Quick and the Dead”, havia estagnado nas bilheterias, e ele estava a um milhão de quilômetros de distância de se recuperar criativamente com “A Simple Plan”, um filme maravilhoso e nada típico de Raimi, e “Homem-Aranha”.
Nas vezes que o vi, e não foram muitas, ele estava vagando pelos escritórios da Raimi-Tapert no estacionamento da Universal, parecendo ter levado muitos socos.
Tapert, por outro lado, estava conectado. Ele viu a TV como uma chance de provar que, à sua maneira, ele contribuiu tanto quanto seu ilustre parceiro fez.

Eu fui o cara que Tapert contratou para levar ele e Sam ao mundo dos episódios de TV. Eles já haviam feito cinco filmes de “Hércules” para a TV e brigaram a cada passo do caminho com o criador da série, Christian Williams, que coincidentemente era um ex-repórter do Washington Post. Era difícil dizer quem odiava mais quem, mas basta dizer que Chris já havia partido há muito tempo quando entrei pela porta.

Por mais sangue que tenha sido derramado nos bastidores, ainda gostei do que vi quando assisti aos filmes “Hércules” – as grandes sequências de ação, os efeitos especiais, as locações deslumbrantes na Nova Zelândia e, especialmente, a estrela. Tapert e Raimi, para seu eterno crédito, passaram adiante aquele ciborgue Dolph Lundren e escolheram um desconhecido de Minnesota chamado Kevin Sorbo. Kevin era forte sem ter músculos em excesso e possuía uma presença amável e autodepreciativa na tela, um jeito agradável de humor e a capacidade de explorar suas emoções nas raras ocasiões em que uma cena exigia isso.

Mais uma coisa que gostei no programa: era, em sua origem, um “faroeste”. Hércules vagueia pelo campo, encontra pessoas que precisam de sua ajuda, ajuda-as em grande estilo e segue em frente. Caramba, eu venho trabalhando em enredos como esse desde que era criança, desenhando filmes em tiras de papel. Então a princípio pensei que me divertiria fazendo “Hércules”, embora fosse um passo decisivo em relação ao que eu havia trabalhado antes. Eu simplesmente faria uma lavagem cerebral em mim mesmo para poder fingir que estávamos na década de 1950 e que estava indo para a Universal todos os dias para escrever filmes de “espada e sandália” ou faroestes de Audie Murphy. E funcionou – mas apenas por um tempo.”

Ainda que as coisas parecessem bastante otimistas para Schullian naquele momento, ele inicia o capítulo 42 “Hard Labor, Hollywood Style” deixando claro que não estava em nenhum paraíso que pensava encontrar.

“por onde começar com as maravilhas de “Hércules”? Com os escritores que não conseguiam ou não queriam escrever? Com os diretores aterrorizados e desqualificados que passavam mais tempo jogando biscoitos do que dirigindo? Com o produtor executivo que teria me apunhalado pelas costas mesmo se eu tivesse ido pescar em alto mar com ele? Com a estrela que pensava que seria o próximo Harrison Ford quando deveria estar agradecendo a Jah ou Alá ou a qualquer divindade que procura grandes caras que aparecem no lugar certo na hora certa?

Ou devo apenas contar sobre a traição a qual deveria ter feito eu abrir os olhos? E as intermináveis reescritas de roteiros tão ruins que meus olhos chegavam a dar nó quando os li? E o escritório no fundo de um estacionamento da Universal, com carros indo e vindo no alto com tanto estrondo e barulho que os visitantes nervosos pensaram que era outro terremoto?

Mas sabe de uma coisa? Eu adorei aquele escritório. Em primeiro lugar, ficava a oitocentos metros dos escritórios onde Rob Tapert e Sam Raimi dirigiam seu circo de três picadeiros. Mas também tinha outras virtudes. Do lado de fora da minha janela estava o rio Los Angeles, seu leito de cimento feio durante a maior parte do ano, mas sob chuvas fortes ameaçava transbordar e sua corrente era tão forte que eu esperava ver geladeiras e carros abandonados sendo arrastados em direção ao oceano. O Lakeside Country Club ficava do outro lado do rio, exuberante, verde e rico nas lendas dos grandes nomes que jogaram lá – Bobby Jones e Walter Hagen, Bing Crosby e W.C. Fields e Oliver Hardy, quando ele não era o homem gordo ao lado do magro de Stan Laurel. Eu via o curso toda vez que tirava os olhos do computador e, por alguns minutos, conseguia parar de pensar que estava preso a um emprego que me permitiria apenas uma semana de folga em dois anos. Em comparação, asfaltar estradas no verão de Utah parecia muito fácil.

Tapert me impôs uma jovem equipe de roteiristas e eles se recusavam a aceitar as diretrizes. Eles eram brilhantes e ocasionalmente simpáticos, e me foi dito que eles amadureceram desde que tive que lidar com sua petulância e más atitudes. Mas quando nossos caminhos se cruzaram, eles estavam atordoados de terem ouvido sua primeira mentira séria no show business. Tapert havia prometido a eles que seriam os roteiristas principais quando “Hércules” virasse uma série. Então, é claro, ele me contratou. Os meninos eram muito novos na TV para perceber que não tinham experiência para o trabalho, além de muitas outras coisas. Eu era o inimigo deles antes de dizermos olá.

Eu gostaria de poder culpar Tapert por contratar um outro escritor de minha equipe malcriada, mas ele foi inteiramente meu erro. Ele morava em uma casa flutuante e tinha rabo de cavalo, sotaque britânico e alguns quilômetros no hodômetro, o que me fez pensar que ele seria um contrapeso para as crianças petulantes. O melhor de tudo é que seu exemplo de escrita era o roteiro de um filme não produzido que era tão bom que me perguntei por que não estava trabalhando para ele. Mas ele acabou por ser uma fraude absoluta. Eu mal consegui arrancar dele uma frase coerente. Tudo o que ele fez foi sorrir, piscar e dar em cima da minha assistente. Nunca descobri quem escreveu o roteiro que lhe rendeu o emprego.

Vamos abrir um parênteses aqui para uma curiosidade interessante.  O décimo quinto episódio da quarta temporada de Hércules, de nome “Yes Virginia, there is a Hercules”, tem uma história que gira em torno da equipe criativa de Hercules. É um dos poucos episódios que eu considero que vale a pena assistir da série, porque o seu roteiro faz algo com primazia: Zoar as próprias decisões questionáveis dos produtores. Nesse episódio de Hercules a equipe criativa da série precisa resolver um problema gigantesco: o sumiço do seu ator principal após um terremoto. Nessa equipe vemos algumas figuras como Bruce Campbell (Autólycus) interpretando Robert Tapert, Hudson Leick (Callisto) interpretando Liz Friedman, Gina Torres (Cleopatra) interpretanto Bety Hymson, Kevin Smith (Ares), interpretando Jerry Patrick Brown, Ted Raimi (Joxer) e Paul Glover interpretando a dupla Alex Kurtzman e Roberto Orci (que foram responsáveis por parte da bagunça da quinta temporada de Xena) e Michael Hurst (Iolaus) interpretando um roteirista de comportamento duvidoso chamado Paul Robert Coyle, que embora em nenhum momento tenha sido citado por nome nas memórias de Schullian, tem uma semelhança muito grande com o roteirista descrito por ele logo acima.

“Então esses caras, o britânico e os meninos, foram meu fardo nos nossos primeiros 13 episódios. Parecia que eu passava todos os momentos do dia dando-lhes notas sobre suas histórias ou reescrevendo seus roteiros. Mas eu não poderia ter passado todo o tempo lidando com eles porque eu tinha que lidar com Tapert. Ele certamente entendia o gênero, mas não sabia escrever, e saí de mais de uma reunião convencido de que ele me odiava porque eu sabia. Pior ainda, ele queria deixar todos os seus amigos dirigirem os episódios, apenas mandá-los para a Nova Zelândia, onde filmamos a série, e deixá-los fazer o caos. Nenhum deles jamais dirigiu um minuto de TV, e esse não é o tipo de pessoa que você deixa determinar o destino de uma nova série. Mas Tapert estava alheio a tudo isso.

Eu não percebi isso até que ouvi um boato de que ele estava planejando pescar em alto mar na costa do México no momento em que estávamos começando o show. Depois de uma reunião sobre a história, chamei-o de lado e disse que nenhum dos grandes produtores executivos para quem trabalhei – nem Steven Bochco, nem Dick Wolf, nem Stephen Cannell – jamais saiu de férias em um momento como este. Os olhos de Tapert se encheram de lágrimas. Ele parecia uma criança que tinha ouvido que biscoitos de chocolate eram proibidos. Ele não disse nada para mim, no entanto. Mas, alguns dias depois, soube que ele havia cancelado as férias e estava tornando a vida de todos no escritório um inferno.”

Outro parênteses para mencionar que uma cena muito semelhante à relatada acima foi também incluída no mesmo episódio “Yes Virginia, there is a Hercules”, onde um Tapert alheio ao caos do escritório por causa do sumiço do ator principal, planeja uma viagem de pescaria e tenta deixar toda responsabilidade de contornar o problema para sua equipe. Quando é repreendido por isso e percebe que não poderá ir pescar, resolve infernizar a vida de todos, cheio de mau humor. Uma outra menção do episódio aos fatos ocorridos da época possivelmente é o comportamento de Melissa Blake (Lisa Chappel) que na história em questão é uma assistente de Robert Tapert que tenta constantemente matá-lo de diversas formas, coisa que Schullian menciona ter sentido vontade de fazer em vários momentos. Ou pensando bem, talvez fosse uma vontade comum a muitos envolvidos na série

“Deus sabe que eu pensava regularmente em maneiras de acabar com a vida dele com as próprias mãos, ou pelo menos quebrar seu nariz. Cada vez que eu falava das minhas fantasias sombrias na frente das crianças petulantes, tenho certeza de que elas corriam e contavam a ele. Sem dúvida, a notícia também chegou às suítes executivas da Universal o que não é o jeito mais certo de ter sucesso no show business. Mas foi a única maneira de fazer com que Tapert recuasse e me deixasse cuidar do trabalho de produzir os roteiros.

Eu estava muito ciente de minhas limitações como roteirista de TV e queria fazer tudo o que pudesse para compensá-las. Mas uma vez que você ganha reputação por alguma coisa, especialmente em Hollywood, não há como se livrar dela. Anos depois de “Hercules”, quando eu estava trabalhando em “JAG” e recebendo anotações sobre meu primeiro roteiro do escritor principal, o extremamente inteligente Ed Zuckerman, pude vê-lo ficando inquieto à medida que a sessão se prolongava. Finalmente, ele olhou para mim por cima dos óculos e disse: “É neste momento que você me dá um soco?” O pensamento nunca tinha passado pela minha cabeça.

Com Rob Tapert, porém, a história era diferente, porque ele estava sempre dizendo algo pelas minhas costas, algo obstinado, tolo e insultuoso. Não fazia sentido, porque tínhamos um programa de sucesso para os padrões da televisão sindicalizada, o submundo que existe à parte das quatro grandes redes. Tapert e Sam Raimi certamente provaram que havia público para algo além de shows sobre pessoas bonitas em roupas de grife gritando umas com as outras. Até recebemos notas altas dos críticos – o Daily Variety me chamou de “veterano da TV”, o que me fez pensar, mas acho que era isso que eu era depois de nove anos no jogo. E ainda assim Tapert não conseguia se conter.

Ele atingiu o fundo do poço na segunda temporada, quando contratou uma dupla de roteiristas, marido e mulher, para trabalhar como freelancer no roteiro de um episódio que ele dirigiria. O problema era que eu estava escrevendo um roteiro para o mesmo episódio. Esse tipo de coisa acontece muito na indústria cinematográfica, o que não é desculpa. Mas o fato de Tapert fazer isso com seu roteirista principal, o cara que estava se matando para garantir que houvesse um novo roteiro a cada oito dias, estabeleceu-o em minha mente como inferior à merda de baleia. Se ele quisesse que a equipe de marido e mulher escrevesse o roteiro, ele deveria ter tido a decência de me dizer para economizar energia. Mas a decência não fazia parte do seu jogo e, por mais fervorosamente que eu defendesse a minha causa ou por mais alto que gritasse, ele não cederia. Afinal, ele estava na Nova Zelândia quando descobri, muito longe pra eu esganá-lo.

Então optamos pelo roteiro obscuro, por mais péssimo que fosse, e Tapert me ordenou que o reescrevesse. O que eu deveria ter feito era pedir demissão imediatamente. Em vez disso, respirei fundo e comecei a trabalhar. Quando terminei, quase todas as palavras do roteiro eram minhas. Certifiquei-me de enviar uma cópia da minha reescrita – todos aqueles rabiscos apertados nas margens – para os escritores que participaram da traição de Tapert. Mas eles não eram os vilões. O vilão foi Tapert.

No capítulo 43, “Desejei um boxeador, consegui uma princesa guerreira”, Schullian narra um pouco das suas ideias para o roteiro de uma série que sonhava em produzir, chamada The Ring, que narraria a vida de um lutador de boxe e que no seu ponto de vista seria algo levado muito mais a sério do que Hercules, e que salvaria sua carreira, mas afirma que infelizmente Hollywood não estava num momento que tornava esse tipo de produção favorável, então precisou engavetar o projeto e se concentrar no mundo de ilusões que trabalhar em Hercules era. Quando estava se preparando para escrever a introdução de Xena na série Hercules, ele recebeu um pedido para que escrevesse um piloto para The Ring, mas estar comprometido com a série de Sorbo se tornava um empecilho. Considerando loucura jogar a oportunidade fora, foi até Tapert e disse que faria um grande corte nas horas trabalhadas para ele e que estaria de portas fechadas trabalhando em outro projeto após as quatro da tarde.
Apesar de, nas palavras dele, ter apresentado um roteiro aclamado e impecável, quando este chegou nas mãos do produtor final, ele afirmou que era uma história muito bruta e braçal, e embora, contra sua vontade, ele tenha reescrito partes dela pra adequar ao gosto do chefe, o roteiro foi enterrado.

Ao mesmo tempo ele tinha se tornado parte do time que teria a responsabilidade de “trazer Xena ao mundo”, e nesse momento, essa era a única garantia financeira dele e embora ele afirme que alguns possam chamar isso de “vantajoso”, já que Xena teve 6 temporadas de extremo sucesso, ele afirma que preferia ter visto The Ring ir ao ar e ser cancelada por pouca audiência, mas ao menos ter feito algo do que ele teria se orgulhado no cenário de Hollywood.

No Capítulo 44, chamado “Ladies and Gentleman, Ms. Lucy Lawless” ele deixa um pouco de lado a amargura relatada até então.

Xena era a principal riot grrrl da TV, uma guerreira com um corpete de couro que agitava as Irmãs de Safo com a mesma facilidade com que agitava os garotos das fraternidades e os caminhoneiros. Ela possuía uma qualidade fora da lei que falava das origens da série que levava seu nome. Não teria frescuras de desenvolvimento com o Estúdio para essa garota má. Ela saiu da obscuridade da sindicação e entrou na consciência do mundo, intocada por um processo que é arbitrário, caprichoso e distorcido para recompensar escritores e produtores que já tiveram programas no ar. 

Eu estava trabalhando em “Hércules”, que gosto de pensar como o antecessor de Abu Ghraib. E ainda assim Xena surgiu disso com uma sucessão de milagres que totalizaram um Percocet gigante. Os milagres começaram quando Rob Tapert, o produtor executivo que também era meu inimigo, e eu chegamos a um acordo sobre algo. Eu queria escrever um episódio sobre uma mulher que se interpõe entre Hércules e seu companheiro, e Tapert, que adorava “A Noiva de Cabelo Branco” e todos os outros grandes filmes de ação chineses, queria um episódio sobre uma guerreira feroz (mas atraente).  Simples assim, Hércules tinha uma namorada que queria sua cabeça em uma lança.

Não houve problemas quando criamos esse personagem porque “Hércules” não era um programa de canais grandes. Era sindicado, o que significava que se a Universal estivesse feliz com o que fizemos, estávamos prontos para prosseguir. Não há problema aí. O executivo do estúdio que supervisionava o programa era um puxa sacos que ficou feliz em acompanhar Tapert e Sam Raimi, e não teve coragem de latir de volta quando eu lati para ele.

Então foi com a mente tranquila que fui ao meu escritório numa tarde de domingo, sem mais ninguém por perto, certamente não Tapert, e me preocupei com nomes até que me decidi por Xena. Não tenho a menor ideia de onde veio. Eu simplesmente sabia que o nome da princesa guerreira tinha que começar com X porque X, como Tapert e eu e todos os fãs conscientes do gênero dizíamos, X é legal. 

O que acabei escrevendo não foi um roteiro piloto no sentido tradicional. Era um roteiro para “Hércules”, e se a personagem Xena desse certo, ela teria sua própria série. Ela apareceu em três episódios e foi transformada de uma megera sanguinária e odiadora de Hércules em uma boa mulher com a intenção de reparar todos os danos que havia causado. Tudo parece tão simples agora – eu escrevi, nós filmamos, o vendedor de distribuição saiu e vendeu “Xena: Princesa Guerreira” como uma série – mas precisamos de mais um milagre para superar o maior obstáculo de todos, encontrar uma atriz para interpretar Xena. Nossa primeira escolha não poderia estar mais errada. Vanessa Angel era uma beleza delicada que você poderia ter machucado só de olhar duro. Tapert a enviou para ter aulas de equitação, artes marciais e tudo o mais que ele pudesse imaginar para tentar fazer ficar “durona”. Mas ela ainda era algodão doce quando foi passar as férias em Londres. O plano era que ela voltasse por Los Angeles a caminho da Nova Zelândia para filmar os três primeiros episódios de “Hércules” em 1995, a trilogia Xena. Ela nunca conseguiu. “Gripe”, disse ela, quando ligou um ou dois dias depois do Natal, tossindo e com respiração ofegante.  […] De qualquer forma, fizemos uma pausa.

É claro que não pensamos assim quando ficamos sem uma atriz para interpretar Xena na semana entre o Natal e o Ano Novo, anualmente a semana mais morta de Hollywood. Tapert e Raimi trabalhavam incansavelmente ao telefone, ligando para todas as atrizes que já haviam desfilado na frente deles e, irmão, eles conheciam centenas, talvez milhares. Eles conversaram com ruivas, loiras e morenas, garotas do interior e peruas da cidade, asiáticas, latinas e afro-americanas, e nada deu certo. E então um jovem assistente de produção chamado David Eick disse as palavras mágicas: “E Lucy Lawless?”

Houve muitas hesitações no início, até mesmo por parte de Tapert, o que deve ter inspirado algumas conversas interessantes quando ele convenceu Lucy a se casar com ele. Mas todo mundo definitivamente a notou quando ela atuou nos filmes de Hércules e em um episódio da série. Melhor ainda, ela estava extremamente disponível quando Tapert a localizou. Minha memória me diz que ela estava garimpando ouro na Austrália com seu primeiro marido, e se isso não for verdade, não quero saber o que é. Gosto da ideia de Lucy ser uma garota pé no chão.

Se ela não tivesse sido pé no chão na tela também, teríamos fracassado. Não havia nada a fazer senão orar aos inconstantes deuses do show business, aqueles que raramente atendem e esperar que chegassem as pautas do primeiro dia. Eu as observei em meu escritório, sozinho. Lá estava Lucy linda em um cavalo e ainda melhor quando ela pulou dele para balançar uma espada do tamanho da Vanessa Angel e chutar a bunda de uma gangue de bandidos saqueadores. Liguei para David Eick instantaneamente.

“Ela é Xena,” eu disse.

Milagres acontecem.

Não importa o quão bem Kevin Sorbo interpretasse Hércules, raramente causando faíscas, mas sempre com seriedade, ele só conseguia ficar boquiaberto junto com o resto de nós enquanto Xena de Lucy Lawless superava ele nas votações da cultura pop.  Depois que a princesa guerreira se transformou em uma série própria,  conhecemos uma estrela que tinha algo para todos. Ela deu às meninas um modelo assertivo, aos meninos uma apreciação mais refinada dos corpetes de couro e às lésbicas alguém para babar. Na página seis do New York Post, se houvesse uma história sobre lésbicas, a manchete provavelmente se referiria a “A gang de Xena”. Como um grande idiota de Minnesota poderia competir com isso? 

Sorbo ficou de mau humor, sem dúvida lembrando-se dos dias em que as avaliações de “Hércules” em Nova York eram tão boas que até as prostitutas deviam estar assistindo entre um trabalho e outro. Lucy, para quem a experiência com Xena deve ter parecido um sonho, não parava de aproveitar sua maré de sorte. Ela apareceu esperando nada mais do que um contracheque pelos 13 episódios que lhe foram garantidos em “Xena”, e conseguiu seis temporadas de estrelato e contracheques cada vez mais gordos que, no fundo, eram totalmente atribuíveis a ela.

Por mais que eu odeie dizer isso, esqueça os roteiros que escrevi para lançar Xena como personagem. Esqueça o buraco na camada de ozônio que deu às nossas locações na Nova Zelândia o brilho dourado que era tão perfeito para “Xena” e também para “Hércules”. Esqueça os outros atores, escritores, produtores e diretores. Esqueça os corações gentis e as pessoas gentis que cuidaram dos efeitos especiais, dos figurinos, da música e de tudo o mais que envolveu a produção da série. Eles eram todos maravilhosos, mas nunca – de modo algum, nunca – teriam tido a chance de ser, se não fosse por Lucy.

Ela habitou Xena. Não era apenas porque ela era bonita, robusta e atlética. Era que sempre havia algo acontecendo em seus surpreendentes olhos azuis. Eles sugeriram sagacidade e inteligência que iam muito além de sua posição como a principal estrela feminina de ação da TV no mundo. Tudo isso foi mais do que uma prova de uma sorte escandalosa. Foi uma piada cósmica colossal, e Lucy entendeu, como só os verdadeiramente inteligentes conseguem. Ela abraçou a experiência sem deixar que isso a transformasse em um monstro. Ela levava o trabalho a sério, como raramente levava ela mesma. Podia-se contar com ela para pedir desculpas aos dublês que ela regularmente machucava por acidente. (Ah, os pontos levados.) Ela lia livros que nada tinham a ver com o show business e apreciava uma boa conversa. O melhor de tudo é que ela manteve seu senso de perspectiva. É verdade que ela acabou se casando com meu parceiro de brigas, Rob Tapert, mas quem sou eu para questionar o que o coração dita? Tudo que sei é que a mulher era uma campeã.

Por um tempo, Tapert falou sobre me deixar comandar a equipe de roteiristas de “Xena” e “Hércules”, o que provavelmente teria nos colocado em uma morte prematura. Se eu fosse melhor lendo folhas de chá, teria me oferecido para ir com a princesa guerreira. Mas “Xena” ainda não tinha se provado, enquanto “Hércules” tinha um histórico sólido, então fiquei com o que pensei ser uma coisa certa. Grande erro para mim, mas uma boa oportunidade para “Xena”. Para atuar como roteirista principal do programa, Tapert contratou R.J. Stewart, que esteve presente no cinema e na TV e possuía uma imaginação mais flexível e uma personalidade menos inflamável do que a sua. R. J. e Tapert se combinaram para dar ao show uma sensibilidade mais sombria do que “Hércules”, sem roubar sua diversão inerente. Tudo o que fiz durante o resto de sua execução foi aproveitar o resto do dinheiro feito com Xena.

Se havia algo que eu não gostei em “Xena”, foi compartilhar o crédito de “Criado por” com Tapert. Ele não estava comigo na sala quando eu pensei no nome de Xena ou escrevi o primeiro roteiro ou lancei as bases para a garota incrível que se tornaria um dos 50 personagens mais memoráveis do TV Guide. Mas ele achava que, como havia sugerido uma guerreira, tinha o direito de dividir o crédito. Do jeito que as coisas estavam, ele ganharia muito dinheiro como produtor executivo do programa, se desse certo, mas era ganancioso o suficiente para querer roubar parte do meu dinheiro também. É uma tradição de Hollywood.

Pude sentir um arrepio percorrendo o campo Tapert-Sam Raimi quando decidi me defender em vez de rolar e me fingir de morto. A essa altura eu não estava nem aí para nenhum deles nem para a segurança do meu emprego, então o que eu tinha a perder? Fomos à arbitragem com o Writers Guild of America e recebi o crédito exclusivo como criador de “Xena”. Mas espere – houve uma falha no processo de votação, algo que o Sindicato pensou que influenciou a opinião dos painelistas a meu favor. Então tivemos que passar pelo processo de arbitragem novamente. Quando entrei no saguão depois de contar minha versão da história ao segundo painel, lá estava Tapert com uma pilha de papéis debaixo do braço e um advogado ao seu lado. Muitas vezes me perguntei o que esses papéis continham e se ele disse ao painel que continham as diretrizes ditadas  para o primeiro roteiro de Xena. É claro que não recebi tais diretrizes e, se Tapert disse que sim, o painel nunca me ligou para perguntar sobre elas. Tudo o que ouvi foi que havia decretado que Tapert e eu dividiríamos o crédito de “Criado por”, 60% para mim e 40% para ele. Não haveria terceira arbitragem. Eu sei. Eu perguntei.

Quando o episódio final de “Xena” foi ao ar, Tapert e Lucy deram uma festa na casa deles em San Fernando Valley e recebi um convite de última hora. Foi a primeira vez que fui convidado para algo envolvendo o show. Acho que deixei Tapert nervoso, se é que você pode imaginar. De qualquer forma, eu fui e a noite estava linda e as pessoas também. Eu não conhecia muitos deles e, pelo menos uma vez, quando Lucy me apresentou a alguém, ela disse: “Este é John Schulian – ele é o criador original do programa”. Eu gostaria de tê-la trazido para contar isso ao Writers Guild.

Enquanto “Xena” começava a me pagar uma merreca, mergulhei de volta no inferno que era “Hércules”. Meu principal problema seria achar veteranos calejados da estrada e jovens escritores brilhantes para tentar um roteiro freelance. Eles torceram o nariz pra ideia. Um programa sindicalizado? Um desenho animado com seres humanos? Melhor eles morrerem de fome e esperarem a ligação do “NYPD Blue”.

A freelancer mais brilhante que contratamos durante minha gestão foi Melissa Rosenberg, que agora escreve os filmes “Crepúsculo” e entregou um roteiro esplêndido. Na maioria das vezes, porém, eu estava lidando com freelancers que não sabiam escrever ou estavam ligados a alguém cujo saco Rob Tapert estava puxando. Lembro-me de dizer ao pior deles que havia apenas duas palavras em seu roteiro que eu gostaria de ver novamente e, em seguida, receber uma ligação de sua esposa, executiva de rede, que me disse que achava que ele realmente havia arrasado na tarefa. .

As coisas começaram a mudar quando trouxe Bob Bielak, cujos créditos incluíam “Tour of Duty” e “In the Heat of the Night”, para trabalhar como freelancer em três roteiros no final da primeira temporada. Ele se saiu bem, o que convenceu Tapert a mostrar a porta de saída para nossa equipe de roteiristas da primeira temporada, o britânico inútil e as crianças petulantes. Foi assim que Bielak e eu marchamos para a segunda temporada como a menor equipe da televisão. Os reforços nunca apareceram.

Eu gostaria de ter tido inteligência e coragem para dar tarefas aos recém-chegados magros e famintos que Tapert e Sam Raimi atraíram para empregos não relacionados à escrita com sua credibilidade em filmes de terror. Deus sabe que as crianças fizeram grandes coisas. David Eick foi um dos mentores de “Battlestar Galactica”. Liz Friedman, que teve uma úlcera trabalhando em “Hércules” e “Xena”, sobreviveu para se tornar uma escritora e produtora altamente conceituada em “House”. E também havia Alex Kurtzman, que era um office boy na última temporada em que trabalhei em “Hércules”, um ótimo garoto que, como Eick, estava sempre fazendo perguntas sobre como escrever. Ele e seu parceiro, Roberto Orci, agora escrevem filmes de ação de zilhões de dólares como “Transformers” e também têm uma série de TV de sucesso, “Fringes”. Liz acabou escrevendo para “Xena” e Alex e Bob foram os últimos a comandar a equipe de roteiristas de “Hércules”, mas eu já tinha ido embora, devastado pelas incessantes batalhas internas que me deixaram cada vez mais ranzinza.

O único momento de graça daquele período que me lembro ocorreu enquanto eu dirigia para o trabalho no Ventura Boulevard. Parei ao lado de um ônibus urbano que estava parado no semáforo e, ao lado, havia um grande anúncio impresso de “Hércules” e outro de “Xena”. Eles eram meus bebês, assim como eram os bebês de Rob Tapert, Lucy Lawless e Kevin Sorbo. Não tenho certeza se já me senti mais orgulhoso desses programas do que naquela época.

Quinze minutos depois eu estava de volta à labuta, lidando com diretores que prometeram fazer uma coisa quando os conheci na Universal e se tornaram nativos quando chegaram à Nova Zelândia. Tapert não fez nada para controlá-los. Os atores também estavam enlouquecidos, especialmente o próprio Hércules. Sorbo estava com ciúmes do sucesso instantâneo de Lucy como Xena e queria que mudássemos o tom de “Hércules”, torná-lo mais sombrio, mais peculiar e mais violento, do jeito que “Xena” era. Aparentemente, exterminar uma horda de mercenários de tanga não foi suficiente para ele.

Sorbo pensou que seria o próximo Harrison Ford, quando era muito mais seguro apostar que em 10 anos ele seria a resposta a uma pergunta de um quiz qualquer. Mas isso não quer dizer que não gostei do que ele fez no show. Ele era o Hércules perfeito, no que me dizia respeito, e eu disse isso a qualquer um que quisesse ouvir. Mas a insegurança percorre os atores como uma febre, e Sorbo estava muito mal. Deixei o esclarecimento para Tapert, que nunca pareceu querer que eu tivesse qualquer tipo de relacionamento com nossa estrela. Isso foi bom para mim. Eu tinha  o meu trabalho pra fazer. Mas então Sorbo tentou fazer mais de si mesmo, diminuindo a qualidade dos roteiros em uma entrevista ao Newsday. Acredite, eu sabia que os roteiros não fariam ninguém esquecer Shakespeare ou Sam Peckinpah, mas eles eram tão bons quanto você encontraria em um programa de ação sindicalizado. Quando escrevi uma carta para dizer isso a Sorbo, desafiei-o a ser um profissional e a fazer o seu trabalho. Se ele não quisesse fazer isso, poderia procurar Tapert e Raimi e fazer com que eu fosse demitido. E se isso ainda não bastasse para ele, poderíamos sair para o estacionamento na próxima vez que ele estivesse nos Estados Unidos e ele poderia tentar me dar uma surra.

Sorbo estava ao telefone minutos depois que meu assistente lhe enviou a carta por fax. Ele disse que foi citado incorretamente. Besteira. Não se dá uma desculpa dessas para alguém que esteve nos jornais por 16 anos. Aí ele disse que não queria brigar. E ele certamente não iria me demitir. Ah, não, Kevin Sorbo, ele JUROU que não era esse tipo de cara. Claro, tudo que ouvi depois disso foi que o agente de Sorbo disse que não assinaria um novo contato a menos que eu fosse embora.

Demorou seis meses, talvez mais, mas ele me pegou. Depois de 48 episódios de “Hércules”, 15 dos quais escrevi e outros 25 ou mais que reescrevi, fiz as malas e fui para a porta. Tapert, depois de todas as traições e mais traições, me disse que foi o pior dia da vida da série. Mas será que ele enfrentou Sorbo e seu agente? Não. Ele tinha ido até a chefia da Universal e dito que eu merecia um acordo que me desse um escritório e um salário fixo enquanto eu passava um ano ou dois escrevendo pilotos? Não. Meu agente teria apresentado esse argumento, quando tal acordo era padrão para alguém que entregasse as mercadorias da mesma forma que eu? Não. Eu ajudei a colocar a Universal em posição de ganhar milhões e milhões de dólares, mas não houve nenhum dos tradicionais presentes de despedida para mim.

Anos mais tarde, David Eick me contou como ele e Liz Friedman se entreolharam depois que eu fiquei fora por tempo suficiente para que eles entendessem o que havia acontecido. “Dissemos: ‘John realmente se ferrou’”.

Amém.

Fonte: From Ali to Xena 

2 Comments

  • Gabriella Perbeline

    Kkkkk q cara amargurado, ai depois ele fica de boa com xena kkkkk mas até entendo, Tapert era meio fora… Mas enfim kkkkk ele jogou a fofoca no vento e saiu correndo 😂😂😂

  • Ednelson Santos

    Nossa que rolo pesado, imagina os outros lados dessa história e de como seguiu toda a encrenca, realmente pela descrição a serie explodiu e começou a dar muita grana, isso causa muitos problemas e pelo visto aconteceram e muito.

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