
[Tradução] Amor, morte e subtexto lésbico: uma história oral de Xena: A Princesa Guerreira
Artigo original publicado no Entertainment Weekly, assinado por Mekishana Pierre.
Tradução por Mary Anne M.W.
O dia 4 de setembro marca o 30º aniversário de uma série sobre uma princesa poderosa em busca de redenção que mudou a TV para sempre.
Foi preciso uma princesa forjada no calor da batalha para mudar o cenário da TV nos anos 90.
Antes de Buffy Summers, Max Guevara, Sydney Bristow ou mesmo a Noiva, havia Xena, uma princesa guerreira com um passado sombrio e a coragem de mudar o mundo.
Estrelando a relativamente novata Lucy Lawless como a princesa guerreira titular e Renee O’Connor como sua espirituosa companheira Gabrielle, Xena: A Princesa Guerreira trouxe algo para a TV que nunca havia sido feito de um jeito sério antes — uma série de ação liderada por mulheres que ostentava todas as acrobacias, coragem e glória de sua série de origem centrada em homens, Hércules: As Viagens Lendárias, mas com uma profundidade emocional que não tinha medo de complicar ou bagunçar os relacionamentos.
A série semanal sindicalizada estreou em setembro de 1995, acompanhando a jornada de Xena ao longo de seis temporadas enquanto ela buscava redenção por seus pecados passados usando seu chakram e habilidades de luta imbatíveis para ajudar os indefesos em nome do bem maior. Mas Xena e Gabrielle fizeram mais do que apenas salvar inocentes; elas ajudaram a pavimentar o caminho para heroínas de ação na televisão e no cinema — tornando-se um fenômeno da cultura pop, além de ícones lésbicos e feministas no processo.
“Só vou dizer que era uma anomalia naquela época ter uma série incrível protagonizada por mulheres”, disse o cocriador Rob Tapert à Entertainment Weekly algumas semanas antes da série comemorar seu 30º aniversário em 4 de setembro. “Com o sucesso de [Xena], as portas se abriram para tudo o que veio depois.”
Para celebrar o marco histórico da série, a EW reuniu Tapert, seu colega de roteiro e produtor executivo da série, R.J. Stewart, Lawless e outras estrelas da série para uma história oral que refletisse sobre a criação do ícone da série e como, depois de todos esses anos, ele continua sendo um fenômeno inspirador.
Uma heroína surge
A personagem Xena foi apresentada como antagonista em Hércules: As Viagens Lendárias. Ela apareceu em um arco de três episódios que, por fim, serviu como um piloto secreto para a série spin-off da personagem.
ROBERT TAPERT (CRIADOR/ROTEIRISTA): Sabe, eu gostaria de poder dizer que foi um ótimo plano a longo prazo [dar a Xena sua própria série], mas não foi. Hércules era composto de cinco filmes de duas horas, depois eles encomendaram 13 episódios de Hércules, e havia uma série que fazia par com ele chamada Vanishing Sun (NT: Vanishing Son, na real). E enquanto Hércules se saiu muito bem, Vanishing Sun não foi tão bem. Então, os executivos do estúdio na época disseram: “Nós controlamos esses blocos de duas horas em todas essas emissoras nos Estados Unidos. Precisamos de uma dupla melhor do que essa.”
E então, quando viram a personagem Xena em Hércules — literalmente em uma versão bruta, a mais bruta das versões brutas — eles disseram: “Sim, devemos passar a perna em nós mesmos antes que alguém o faça.” E essa era realmente a necessidade financeira do estúdio. E eu tinha um desejo antigo de contar uma história de ação feminina e nunca consegui descobrir o que era até ver vários filmes de Hong Kong com uma vilã fazendo coisas boas. Xena meio que nasceu disso, e o universo se alinhou perfeitamente para ela.
R.J. STEWART (PRODUTOR EXECUTIVO/ROTEIRISTA): Fui contratado para escrever o piloto depois que Rob vendeu o conceito e conseguiu uma encomenda de 22 episódios no ar — palavras nunca mais ouvidas no planeta Terra. Tive a impressão de que foi a brilhante atuação de Lucy como a personagem Xena em Hércules que desencadeou a mudança. Foram produtores inteligentes reconhecendo o potencial de estrela.
LUCY LAWLESS (XENA): Quando foi cogitado pela primeira vez, eu pensei: “Ah, bem, me avisem quando for para valer.” E foi certeiro! O grande momento foi quando fui escalada para Hércules, porque muitas outras atrizes estavam interessadas no papel e, como não imaginavam que Hércules seria um sucesso, todas recusaram [porque] era temporada piloto. Então, eu era apenas a sortuda local que ganhou o papel. E esse foi o momento que mudou minha vida.
TAPERT: Quando tivemos a ideia de um arco de três episódios para Xena, [o estúdio] nos perguntou se consideraríamos escalar alguém de uma de suas outras séries. E nós dissemos: “Claro!”. E então, infelizmente, recebemos uma ligação do agente dela (NT: Ele está falando da Vanessa Angel), literalmente dois dias antes do Natal. Ela deveria viajar na véspera de Ano Novo dos Estados Unidos para a Nova Zelândia e [o agente dela] disse: “Ah, ela está doente, está em Londres. Tenho um atestado médico dizendo que ela não pode viajar porque isso causaria problemas. E como a outra série dela vai começar, vocês não vão conseguir terminar a produção a tempo, então ela vai ter que cancelar.”
Nós pensamos: “Meu Deus, o que vamos fazer?”. Então, nos apressamos porque era uma época terrível entre o Natal e o Ano Novo para tentar encontrar alguém. Tínhamos acabado de usar Lucy em outro episódio de Hércules, então enviei isso para o estúdio e perguntei: “E se pintarmos o cabelo dela de ruivo para preto?” E eles responderam: “Ok”. Lucy estava acampando em algum lugar e o produtor na época correu para tentar encontrá-la. Eles a encontraram e ofereceram o arco de três episódios.
LAWLESS: Alguns dias depois de receber a ligação — era Ano Novo e eu estava acampando com minha família — eu estava sentada em uma cadeira em Auckland, Nova Zelândia, pintando meu cabelo de escuro. E eles falaram em me deixar loira ou algo assim, mas Gabriela Sabatini era minha modelo na época porque ela era a número um do mundo no tênis. Então eu pensei: “Não, não, não, ela deveria ser bronzeada e com cabelo escuro”. Felizmente, eles aceitaram, porque [descolorir] meu cabelo teria sido um saco.
TAPERT: E mesmo antes disso terminar — provavelmente estávamos filmando o segundo daqueles [episódios] — liguei para ela para dizer que havia uma chance de virar uma série, mas ela não acreditou.
BRUCE CAMPBELL (AUTOLYCUS/DIRETOR): Nós nos referíamos a Xena como o Pequeno Show, ou o Show das Garotas, porque Hércules foi filmado em 35 mm e eles começaram Xena em 16 mm— eles queriam economizar dinheiro. Mal sabiam eles que Xena acabaria eclipsando e se tornando muito maior que [Hércules], o que é bem engraçado de ver desde o início. Foi legal estar presente quando tudo começou.
Nasce uma história de amor gay
Embora Xena fosse uma personagem de destaque por si só, foi seu relacionamento com Gabrielle que consolidou a série como uma série diferente de todas as outras. Elas rapidamente se tornaram uma dupla dinâmica que arrasou e virou o padrão de cabeça para baixo. Mas primeiro, a série precisava encontrar a pessoa certa para interpretar o complemento de Xena. E aí entra Renée O’Connor.
TAPERT: Então, tivemos Renée em um dos filmes de Hércules de duas horas de duração. E quando Xena estava sendo formulada criativamente, ela foi a primeira pessoa que me veio à mente como ajudante. O estúdio gostou de outras pessoas, mas havia uma qualidade jovem, ingênua e feminina em Renée que eu pessoalmente adorava. Então, nós a trouxemos várias vezes, já que havia algumas outras pessoas que o estúdio estava se inclinando a escalar. Mas, eventualmente, eles nos deixaram, como produtores, fazer o que queríamos. E, naquela época, tenho quase certeza de que R.J. Stewart estava lá, e ele e eu concordamos plenamente que ela era Gabrielle.
STEWART: Rob estava comprometido com Renee desde o início do processo. Ela certamente se encaixava na personagem que eu havia escrito. Ela projetava calor e entusiasmo e conseguia lidar tanto com diálogos dramáticos quanto leves. Ela era inocentemente fofa e, ao mesmo tempo, furtivamente sexy. Vimos muitas atrizes, mas nossa dedicação a Renee como Gabrielle nunca vacilou. Ela trouxe dimensões à personagem que nenhum de nós imaginava. Resumindo, ela era a Gabrielle perfeita. Tivemos muita sorte em tê-la.
TAPERT: Quero dar a R.J. Stewart um enorme crédito por ser a voz de Gabrielle, porque acho que ele realmente a deu vida em seus textos e reescritas.
STEWART: Ao tentar encontrar uma voz para Gabrielle, decidi torná-la uma aspirante a barda. Quando escrevi o verso “Eu canto Édipo”, eu sabia que tinha algo especial. Rob adorou porque compartilhamos o amor pelo grande mitólogo Robert Graves. Ele já havia explorado muita mitologia em Hércules e estávamos prontos para levá-la a um nível totalmente novo.
Uma mulher com um passado brutal, disposta a usar a violência para se redimir, viajando com uma mulher muito mais interessada em paz e amor, é uma fonte inesgotável de conflitos e crises. Isso ficou óbvio desde o início. A maneira como o vínculo delas se tornou tão profundo e significativo é algo em que trabalhamos e desenvolvemos ao longo da série.
LAWLESS: Acho que a vida imita a arte de uma forma em que tudo o que está acontecendo na cena, você meio que torna real na sua vida. E [Renee] fez um pouco de “Eu sou um filhotinho babão e você é a grande Xena”. E eu dizia: “Pare com isso!” porque eu sabia que não era mais experiente do que ela, nem mais talentosa, nem nada. Mas acho que era apenas ela experimentando o papel, na verdade. De qualquer forma, ela superou isso rapidamente, digamos assim. Gabrielle também.
Mas sempre seriam essas duas. Era um novo modelo de narrativa, sabe, porque nunca tínhamos visto duas protagonistas femininas na TV, então isso nunca mudaria. Mesmo que nos odiássemos, esse seria o papel que teríamos que interpretar. Mas passamos a nos amar e confiar uma na outra. E até hoje, ela é como uma irmã para mim.
Um dos maiores destaques da série era o relacionamento entre Xena e Gabrielle. Muitos citaram a dinâmica da dupla como um dos motivos da popularidade da série. Elas se tornaram ícones para os fãs LGBTQ+ da série. A questão de se as personagens eram amantes era alvo de grande debate, alimentada pelas conotações românticas em suas interações na tela.
TAPERT: Essa foi uma das poucas vezes em que [executivos do estúdio] disseram: “Vocês não podem fazer isso, vamos perder patrocinadores”. Demorou um pouco para percebermos… Quer dizer, não estávamos fazendo isso para o público. Estávamos fazendo isso por birra. Pensando bem, era uma época tão diferente que, quando começamos Xena, o estúdio não permitia que Xena e Gabrielle sequer estivessem na mesma cena na sequência de abertura. Eles eram muito rigorosos em não querer insinuar que havia algo mais entre elas do que apenas boas amigas. Nunca foi realmente pensado para ser sobre duas mulheres gays na estrada juntas, isso se desenvolveu por conta própria.
ALEXANDRA TYDINGS (APHRODITE): É interessante lembrar da época em que essa série foi ao ar. Começou antes de Queer as Folk ou Will and Grace; não havia personagens principais gays que eu consiga lembrar. A série da Ellen foi cancelada. Então, era uma época muito diferente, e uma série como Xena, que abraçava seu público queer com um “subtexto lésbico” brincalhão, era tão única. Adorei quando ouvi falar disso pela primeira vez. Me lembro de ser jovem e me assumir — tínhamos pouquíssima mídia queer, muito menos modelos a serem seguidos. Se algo como Xena tivesse passado na TV quando eu estava na faculdade, teria sido um evento semanal para mim e todos os meus amigos.
STEWART: Nós abraçamos o subtexto lésbico com alegria selvagem. Ouvir que havia noites de Xena em bares gays por todo o país me fez rir. Foi perfeito. Nossa regra geral era usar o subtexto sempre que fizesse sentido. Todo mundo fazia isso, então não havia necessidade de falar sobre isso. Lembre-se, tínhamos um filme para fazer toda semana. As reuniões de roteiristas eram sobre dar uma reviravolta na história e fizemos um trabalho incrível fazendo isso, não é?
Antigamente, quando as pessoas me perguntavam se Xena e Gabrielle eram gays, eu costumava dizer: “Deixo isso para os fãs”. Mas 30 anos depois, os fãs se manifestaram. Eles são definitivamente gays agora.
TYDINGS: Isso faz parte da genialidade da série. Primeiro, quantas séries de ação protagonizadas por mulheres já tivemos? Até hoje? E depois uma série em que há duas mulheres, sem uma voz masculina como a de Charlie (NT: de As Panteras) no viva-voz, dando instruções. Tenho quase certeza de que Lucy nunca disse uma frase como: “O que fazemos agora?”. E então, elas se entregaram completamente a Xena e Gabrielle como uma história de amor, mesmo que na época fosse apenas subtexto e insinuação. Seja como for, era inegável que essas duas mulheres se amavam profundamente.
LAWLESS: Acho que Renee e eu não [antecipamos a reação dos fãs] porque não estávamos com a cabeça nisso, mas certamente os roteiristas sabiam exatamente o que estavam fazendo desde o início. Nunca pensamos em sexualidade nem nada, mas pensamos em amor, e a questão é encontrar o amor na cena. Quando você não sabe mais o que fazer, procure o amor na cena. E esse foi, eu acho, o ingrediente mágico.
Nunca foi sobre sexo ou tentar vender a natureza do relacionamento ou qualquer coisa do tipo. Procure o amor na cena, porque todas as cenas são sobre amor ou sobre tentar receber amor, tentar ir em direção ao amor. Acho que as pessoas que não queriam ver, não viram. Era subtextual. Tipo, a Renee ia para o Texas e dizia algo sobre o subtexto lésbico e eles perguntavam: “Que subtexto lésbico?”. Tipo, se não for relevante para você, você não verá. Se for relevante, estará lá aos montes. É muito inteligente.
Um verdadeiro elenco de personagens
Embora Xena e Gabrielle fossem a dupla principal, o elenco vibrante de personagens da série dava corpo ao mundo que elas buscavam salvar. O elenco incluía deuses poderosos que frequentemente se intrometiam nos assuntos dos mortais para seu próprio entretenimento, além dos aldeões, senhores da guerra e guerreiros que mantinham Xena e Gabrielle em alerta em todos os episódios. Alguns, como o Joxer, o Poderoso, de Ted Raimi, tornaram-se favoritos dos fãs.
TED RAIMI (JOXER): R.J. veio até mim depois de criar o personagem e me explicou, e é realmente uma premissa brilhante para um personagem, especialmente para uma comédia. Ele é o pior guerreiro do mundo que se acha o melhor guerreiro do mundo. E se você aplicar isso ao drama, você tem uma tragédia terrível, tipo, uma tragédia de nível shakespeariano. Ou, se você aplicar à comédia, você faz um Joxer com ela. Então, é preciso um escritor que realmente entenda o personagem e não esteja apenas inserindo um cara bobo.
R.J. prestou um grande serviço a mim e à série ao torná-lo complexo nesse aspecto. Se ele tivesse escrito algo mais no estilo de um cara maluco como Jim Carrey, que é simplesmente bobo e faz bobagens o tempo todo, teria sido engraçado por um minuto e depois teria sido bem sem graça. Então, foi muito dele que fez funcionar.
STEWART: Quando assisto a episódios que não vejo há anos, a atuação que parece mais subestimada é a de Ted como Joxer. Ele teve uma atuação cômica de primeira linha sempre que escrevemos para ele. Ao criar o personagem, eu queria fazer de Joxer um bom alívio cômico. Ted é um cara tão divertido na vida real que não é surpresa que ele tenha conseguido tornar Joxer tão simpático. Mas ele foi muito além. Ted e eu costumávamos conversar sobre nosso amor mútuo por Danny Kaye, e muito do que ele fez em Xena segue a tradição de Danny.
RAIMI: Ele é o tipo de cara que pensa de improviso, para dizer o mínimo. O coração dele está sempre presente. E acho que esse elemento que eles escreveram tornou o personagem talvez mais atraente para muitos espectadores, porque se você pegasse o Joxer e olhasse para tudo o que ele fez, isso não significa nada. Ele é basicamente inútil e meio nojento. Mas ele tem boas intenções, e acho que o público gosta de personagens que têm boas intenções e é por isso que o acham atrativo. Porque só Deus sabe que não é por suas ações ou seus desejos reais.
A Afrodite de Alexandra Tydings foi icônica desde seu primeiro momento na série, quando fez sua entrada dramática emergindo de uma concha.
TYDINGS: Que jeito de fazer uma entrada! Realmente deu o tom para o personagem — excêntrico, um pouco bobo e muito divertido — e os roteiristas se mantiveram fiéis a isso durante toda a série. Mas eu fui escalada como atriz convidada para apenas um episódio. Eu não fazia ideia do que isso se tornaria! Adoro como os roteiristas desenvolveram e aprofundaram o que, de outra forma, poderia ter sido uma personagem bastante superficial. Afrodite foi uma alegria absoluta de interpretar.
E todos estavam prontos para tantas coisas. Realidades alternativas, todos nós interpretando personagens de contos de fadas, sequências de sonhos loucas, simplesmente nos jogamos. Quer dizer, os figurinos! Especialmente para mim e Renee — caudas de sereia, imitações de Valquíria, foi tudo tão divertido. Com o tempo, comecei a ver histórias mais complexas e desafiadoras, e esse realmente é o meu sonho como atriz. Tudo fez muito sentido para mim — o amor é complicado, pode ser difícil, pode ser destrutivo, obsessivo, decepcionante, então fazia sentido trazer tudo isso para essa personagem que era a personificação de todos esses aspectos do amor.
Para Bruce Campbell — que apareceu em Hércules e Xena como Autólico, Rei dos Ladrões, e dirigiu o primeiro — foi mais uma oportunidade de atuar com seus antigos companheiros de Evil Dead, Tapert e Sam Raimi (que foi produtor executivo da série).
CAMPBELL: Felizmente, não precisei fazer a audição. Rob sabia o que eu sabia fazer porque ele era meu parceiro em Evil Dead, então eu tinha a vantagem. Não sei de quem foi a ideia de me escalar, mas depois que aconteceu, foi ótimo. Sou um dos poucos personagens que ficou entre Hércules e Xena. Fui um dos personagens privilegiados porque as dinâmicas eram muito diferentes.
Hércules tem muita ligação masculina. E com Xena, é claro, Autolycus estava sempre tentando se aproximar de Xena. Ele era um participante involuntário de suas jornadas e um ajudante involuntário. No fim das contas, ele sempre ajudou enquanto tentava fechar um acordo paralelo, um algo a mais para ele. Sempre, esse era o modus operandi. Mas ele ainda fazia a coisa certa eventualmente e passava por muitas humilhações para conseguir. Acho que Autolycus meio que se apegou às pessoas como um carrapato.
Entre as duas séries, ao longo de seis temporadas, foi muito divertido ir e voltar para fazer isso. Tivemos dias em Xena em que acho que não entregamos uma linha de diálogo original, escrita para o dia, porque tínhamos muita liberdade. Se algo não desse certo, tínhamos a capacidade de consertar tudo. Rob confiava em nós.
RAIMI: Acho que isso nunca mais vai acontecer em um programa de TV aberta, porque agora é possível entrar em contato com roteiristas de 80.000 maneiras, incluindo telefone, e-mail, fax, mensagem de texto, por aí vai.
CAMPBELL: Eu estava lascado porque, quando voltava para os Estados Unidos, eu sugeria algo e eles diziam: “Ah, nossa, precisamos aprovar isso”. Eu respondia: “Aprovar? Do que você está falando? Você tem o poder de edição. Pode cortar qualquer coisa que a gente disser!” Então foi um período bom e, ao mesmo tempo, ruinoso.
RAIMI: Acho que isso realmente abriu muita criatividade que talvez não existisse de outra forma. Além disso, sem querer menosprezar aqueles roteiros, eles eram ótimos. E sem aquelas histórias sólidas, nunca teríamos conseguido improvisar como fizemos. Improviso só funciona se você já tiver um ótimo roteiro, senão simplesmente não funciona. Essa foi uma das minhas coisas favoritas e, nesse sentido, senti como se fôssemos apenas um grupo de pessoas nesta ilha fazendo um filme estudantil maluco.
TYDINGS: Xena foi uma série única em muitos aspectos, e um deles foi a força das vozes femininas tanto no elenco quanto na equipe. A produção é uma colaboração, e a atitude das pessoas no poder tem uma grande influência. Acho que isso se reflete de muitas maneiras que afetam a criatividade que as pessoas trazem para o trabalho. Lucy e Renee, juntamente com produtores, roteiristas e membros da equipe — tudo isso estabeleceu um tom que eu realmente não vi em muitos outros sets de filmagem.
CAMPBELL: Não havia ninguém rígido no grupo, e com Lucy e Renee, não poderíamos ter tido uma dupla principal mais ideal.
TYDINGS: De muitas maneiras, meu início de carreira me preparou para me interessar por coordenação de intimidade mais tarde. Muitas das minhas primeiras experiências me envolveram usando roupas minúsculas em cenas românticas com outros atores — às vezes nudez e cenas de amor. Então, eu sei em primeira mão que essas cenas podem ser desafiadoras, gratificantes e/ou experiências horríveis; tudo tem a ver com a forma como você é tratado no set.
Aphrodite teve sua cota de roupas curtas e cenas em que fingimos que ela estava completamente nua — cavalgando um cavalo como Lady Godiva me vem à mente — e a gentileza e a dignidade com que fui tratado pelo departamento de figurino, pelos assistentes de direção e por todos no set se destacam como o tipo de profissionalismo que estamos trabalhando para criar em toda a indústria. Acho que, como atores, especialmente da Geração X e mais velhos, realmente queremos ser vistos como descolados, topando tudo e despreocupados.
Quando você tem uma equipe que te trata com dignidade e carinho, você começa a perceber que não há problema em fazer perguntas, esclarecer o que está sendo pedido e fazer pedidos que te ajudem a dar o seu melhor — que essa é, na verdade, a maneira mais profissional de abordar uma cena que pode ser difícil ou complicada. O cenário, o elenco e a equipe de Xena realmente modelaram isso para mim.
A morte se torna ela
O que fez Xena se destacar instantaneamente de Hércules foram os enredos mais sombrios e intensos, que permitiram um elenco de personagens mais complexo.
STEWART: Rob já tinha feito um esboço quando fui contratado para escrever o piloto, e no esboço ele se dedicou totalmente a Xena como heroína. A cena de abertura era Xena enterrando suas armas — sempre achei que ela estivesse considerando suicídio naquele momento, embora nunca tenha achado apropriado abordar um tema tão sombrio em uma série que atrairia jovens. Na minha opinião, se Xena não tivesse ouvido os gritos de pessoas em perigo, ela teria terminado tudo ali mesmo. Mas quando ela ouve esses gritos, ela tem uma epifania instantânea.
De repente, ela entende como pode redimir as coisas horríveis que fez. Ela decide dedicar sua vida e ações a ajudar aqueles ameaçados pelo mesmo tipo de violência implacável que ela mesma perpetrou. Então, o tema da redenção estava lá desde o início. Quebrar o ciclo de violência é um tema que explorei em grande parte da minha escrita. Em Xena, tivemos a situação perfeita para nos aprofundarmos nisso.
TAPERT: Sabíamos, quando começamos Xena, que queríamos ser transgressores. Transgressores em 1995 era quando demos a Xena uma série de homens negros como amantes nos cinco primeiros episódios — Draco (Jay Laga’aia), Marcus (Bobby Hosea), entre outras pessoas… simplesmente era uma era diferente. Chegamos a algum lugar em 30 anos, embora pareça doloroso agora. Então, quando começamos, continuamos expandindo os limites.
CAMPBELL: Xena era a mais séria [dos dois personagens]. Hércules ficou sério porque era o cara bonzinho. Ele sempre tinha que fazer a coisa certa. Xena era mais conflituosa. Envolvia mais sensualidade. O Hércules sexual era mais, sabe, “Vou beijá-la nos lábios e cavalgar em direção ao pôr do sol” — um pouco mais como um faroeste. Enquanto em Xena, eles ficaram sombrios. Claro, no final eles ficaram sombrios, sombrios. Ficou incrivelmente sombrio.
RAIMI: Eu adorei! Foi ótimo. Xena morre no final. É ótimo. É perfeito.
LAWLESS: Eu sempre me arrependi do final. Pareceu meio divertido para nós na época. Sabe, meio Tarantino, tipo, “Ah, é loucura. Cortem a cabeça dela.” Mas o que isso fez aos fãs foi simplesmente horrível. Então hoje eu fico dizendo: “Isso nunca aconteceu, nunca aconteceu…”
STEWART: Consideramos vários finais, mas o que foi tão perfeito no que fizemos foi o quão fiel ao conceito da série. Em um episódio chamado “Forgiven” (Perdoado), apresentei a Xena uma maneira de ela participar de uma cerimônia que significaria seu perdão. Mas ela não participa porque sabe que o que fez no passado não pode ser apagado por uma cerimônia. Ela sabe que precisa continuar tentando se redimir por meio de seus atos altruístas e sacrifícios. E naquele último episódio, ela faz o maior sacrifício que alguém pode fazer. Na minha visão, ela finalmente se redimiu.
TAPERT: Aconteceu depois de muita discussão entre R.J. e eu. E tudo se resumiu a — além de ser um pouco travessos, o que nós éramos mesmo — que pensávamos que Xena morrer para consertar os erros e fazer algo para expiar seu passado tinha sido a jornada que ela havia trilhado desde o início da série. E o fato de os fãs terem tido essa reação massiva contra Gabrielle estar sozinha nos pegou um pouco desprevenidos porque, claro, é a vida. Seus pais morrem, ou seu amigo morre, ou quem quer que morra. Isso faz parte da vida.
STEWART: Os fãs frequentemente não gostam da maneira como os roteiristas terminam suas séries favoritas — Seinfeld, Família Soprano e Game of Thrones tiveram finais controversos. Se eu achasse que o final foi tão odiado a ponto de os fãs mais dedicados de Xena abandonarem a série, eu me arrependeria. Mas sei que não é o caso, porque já fui a convenções de Xena. Eles ainda estão conosco, que Deus os abençoe.
TAPERT: Temos todas essas histórias sobre Xena ser má antes de conhecer Gabrielle e estar em um caminho de redenção, e pensamos que esta era a chance dela finalmente consertar tudo o que havia feito de errado. Se pudéssemos voltar no tempo e consertar isso, eu não teria contado essa história. É impossível dizer agora o que faríamos se soubéssemos naquela época o que sabemos agora. Mas foi uma decisão muito lógica, e finais são complicados.
Apesar de ter um final tão definitivo, a esperança por um revival ou sequência permanece forte no fandom de Xenite, e os planos estão em andamento.
LAWLESS: Preciso te dizer, não sei por que eles não conseguiram fazer. O que eu continuo ouvindo é que você tem que fazer tão bem ou melhor que o original, e eles continuam achando que não é tão bom, melhor ou totalmente diferente. Talvez precise ser totalmente diferente.
CAMPBELL: Os temas são muito relevantes para os dias de hoje. Lealdade, amizade, relacionamentos complicados. Xena mostrou que não há problema em ter relacionamentos complicados em uma série que, de outra forma, seria centrada em ação.
TAPERT: Era uma anomalia naquela época ter uma série incrível com protagonistas femininas. E então, com o sucesso de Xena, isso abriu as portas para tudo o que veio depois. Estamos tentando lançar uma nova versão de Xena. Não seria a história de Xena e Gabrielle com Lucy e Renée. Seria como fizeram com Jornada nas Estrelas, uma releitura daquele universo. Seja lá o que for, será diferente, o que é emocionante. Trinta anos depois, tem que ser diferente.
RAIMI: Você teria que repensar completamente. Porque, embora eu tenha certeza de que muitos fãs adorariam vê-las exatamente como eram, você tem Flash Gordon, ok? E então, de Flash Gordon, você tem Robinson Crusoé em Marte, depois o livro Duna, de Frank Harbert, que é sobre o que Robinson e Flash tratam. Depois, você tem Star Wars, e esse é o mesmo enredo. Não estou dizendo que é uma coisa ruim, estou apenas dizendo que é uma ideia reciclada, originada há muito tempo, e aqui estamos, 125 anos depois, reutilizando-a.
Xena é bem parecida nesse aspecto. Não foi a primeira série liderada por uma mulher a fazer isso, mas foi a primeira a levar a sério. Mas, desde então, houve três dúzias de outras séries que também usaram o mesmo formato e enredo. Então, se você trouxesse Xena de volta agora, a ideia pareceria cansada. E para fazer bem, na minha opinião, você teria que fazer brilhantemente, como o que Karatê Kid fez com Cobra Kai. Ou seja, eles são mais velhos e têm um monte de problemas novos. Porque ninguém iria querer me ver na minha idade pulando e fazendo aquelas caretas. Se você refizesse dessa forma, acho que daria certo.
TAPERT: O estranho é que eu sempre fui relutante com reboots. Como já fiz 134 episódios ou algo assim, não sinto que haja uma nova série de histórias que eu ainda não tenha contado. Pode ser minha falta de imaginação, mas eu não queria substituir Lucy e Renee. Mas para um longa, agora 30 anos depois, estou interessado em fazer isso. Não sei quando e onde será, mas eles verão um roteiro em algum lugar nos próximos três a seis meses, e só podemos torcer.
LAWLESS: Viu, eu nem preciso fazer parte disso. Faça logo, caramba.